A universidade nasceu na Idade Média, dentro dos círculos de poder, fosse o estado ou a religião, cresceu aristocrática e conservou em muito os limites do saber dentro do desejável para a manutenção do “status quo”. Tendo como alunos, via de regra, a aristocracia, pouco importavam as relações de trabalho, pois muito se vinculava primordialmente às relações de família e usufruto do poder.
No momento em que se apregoa e se legisla sobre a democratização do ensino e sua vinculação com o trabalho e práticas sociais, não se pode deixar de considerar o centro do poder e de estudar os procedimentos pertinentes. Senão vejamos a LDB [1]:
art. 2. – A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
art. 3. – inciso XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais
art. 43 – A educação superior tem por finalidade:
II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
III – … e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, … Os grifos são nossos, mas o texto é bem claro: qualificação para o trabalho, inserção em setores profissionais, o meio em que vive, os problemas do mundo, e outros itens mais que poderíamos destacar, São enfoques que não podem ser efetivados sem o devido conhecimento dos procedimentos de marketing.
A universidade, conservadora como sempre, teima em repetir os procedimentos do século passado, senão dantes, valorizando o que consideram moral e condenando o pragmatismo como não ético nos estudos acadêmicos. Já no início deste século, diante aos reacionários, Dewey escrevia:
Êxito como fim:
Interesse próprio esclarecido, planejamento e cálculo para o êxito parecem não se enquadrarem muito bem como motivos elevados. Mas quando se considera o número de males praticados por simples ignorância, loucura, desleixo, sujeição a caprichos e impulsos momentâneos, pode-se concluir, seguramente, que o estado de coisas seria melhor se maior número de pessoas fosse incitado por interesse inteligente nas realizações externas. E, quando consideramos o número dos que se tem orgulhado de serem dotados de moral, e dos que se tem contentado com o mero fato de “terem sido bem intencionados”, (e, segundo o ditado, “de boas intenções o inferno está cheio”) – sendo destituídos de ação e eficiência na execução – não se pode negar alguns respeito a uma doutrina que acentua a realização mesmo que o padrão dela não seja elevado. [2]
Mas a maneira de eliminar preferência por conveniências tacanhas e imprevidentes é não condenar o que é prático como vil e mercenário, em comparação a idéias espirituais e sim em cultivar todas as oportunidades possíveis de fruir realmente os valores refletivos e empenhar-se na atividade, na prática, que aumenta sua extensão. [3]
Quase já passados cem anos, tendo a humanidade mudado tanto nas relações entre os povos, nos meios de produção, nos meios de comunicação e tudo mais, a universidade continua a mesma; a chamada “atividade prática” (referida por Dewey) continua ausente das ocupações curriculares. Quando aparece em qualquer discussão, se considera uma conversa enviesada, deslocada, desfocada mesmo do assunto em pauta, o objeto do estudo.
Assim como na medicina, devido ao alto grau de especialização, ninguém mais fala de saúde, senão das patologias específicas em que cada profissional se especializou, na educação, onde não há especialistas em marketing da vida diária, ninguém toca no assunto. Mesmo nos cursos de administração de negócios, onde o marketing é matéria integrante do currículo, o aluno e o professor se portam como estudiosos, e até especialistas, do processo como se estivessem imunes aos seus efeitos, tal o distanciamento do objeto de estudo.
Entendemos como relevante a discussão deste tema, dentro dos meios educacionais, vez que toda sociedade, onde o processo educacional está inserido e para quem é desenvolvido, é hegemonicamente dominada pelo poder do marketing internacional. O poder, conforme Max Weber, é a “possibilidade de alguém impor a sua vontade sobre o comportamento de outras pessoas”, ou ainda “a capacidade de uma ou mais pessoas realizarem suas próprias vontades num ato comunal contra a vontade de outras que participam do mesmo ato. 4
Conforme Pichon, a aprendizagem está no processo de apreender a realidade, desestruturar e reestruturar; não se pode aprender sem ver e entender os valores do contexto em que se vive. Paulo Freire, por mais crítico que fosse quanto ao poder capitalista, insistia na necessidade de educar para a realidade e através da percepção de realidade de cada um.
Mas se, do ponto de vista crítico, não é possível pensar sequer a educação sem que se pense a questão do poder, se não é possível compreender a educação como uma prática autônoma ou neutra, isto não significa, de modo algum, que a educação sistemática seja uma pura reprodutora da ideologia dominante. [5]
Entendemos como importante a discussão deste tema, funão de ter a educação a necessária vinculação com a realidade social em que se desenvolve, tanto na transmissão de valores éticos e morais, quanto na formação do novo cidadão. não é ética a formação de um cidadão sem as informações e a discussão dos valores correntes na realidade de vida. Enquanto estudante, a pessoa tem a nítida sensação que alguma coisa lhe está sendo omitida, pois os conhecimentos em discussão não “batem bem” com seu cotidiano, após formado, constata o quanto foram insuficiente ou inadequados todos os esforços despendidos.
Certa feita, por volta de 1986, juntamos um grupo de 20 profissionais dentistas de São Paulo, todos com 5 a 10 anos de prática profissional após a formação. Levantamos o índice de aproveitamento da clientela a partir a análise dos números de tratamentos efetuados em relação aos orçamentos realizados. A média se apresentava, em números redondos, 3 tratamentos em cada 10 orçamentos. Com 15 horas de aula de marketing de serviços (foi dado um outro nome técnico, pois este era proibido), abrangendo basicamente técnicas de atendimento, abordagem e negociação, a situação reverteu de tal forma que 6 meses depois, a média rondava 7 tratamentos a cada 10 orçamentos. Vê-se que 15 horas de aula específica mudaram os resultados de 5 anos de estudos acadêmicos. Podemos garantir que experiências como essas poderiam oferecer resultados parecidos na maioria das profissões de nível superior (como vendedores de serviços).
Entendemos a viabilidade desta discussão vez que, com exceção dos procedimentos didáticos e do direcionamento curricular (nitidamente burocrático), todas as demais atividades desenvolvidas na sociedade, tanto nos grupos mais próximos como nos mais abrangentes, vivem em função, ou mesmo, em submissão aos preceitos dominantes. Dissemos da exceção porque entendemos que a escola não vem realizando a função de adequação realidade: insiste em ser tradicional e arcaica, viver intra-muros tal qual nos claustros da Idade Média. não é toa que assembléia de professores universitários também se chama claustro (ainda).
Para realização de tais estudos, não serão necessárias pesquisas custosas nem maiores buscas, basta olhar para o próprio chão e ao seu derredor. A realidade está aqui.
A possibilidade de chegar continuamente até as massas e de colher sua opinião torna mais previsível o comportamento dos consumidores, dos usuários, dos cidadãos e, portanto, facilita justamente a possibilidade de programação social que constitui o eixo da sociedade pós-industrial. [6]
Em nossos cursos de vendas, um dos procedimentos mais básicos para entendimento das situações de mercado é fazer com que todos os participantes, dois a dois, conversem sobre o que os levou a comprar os objetos que estão usando. A discussão dos movimentos percebidos por cada participante pode ser uma amostra representativa e a apontar, com alguma segurança, a média e a moda. Cada estudante, e cada professor, está, mesmo que inconscientemente, envolvido nos procedimentos de marketing, basta perceber.
Entendemos a discussão deste tema como contribuição inovadora ao desenvolvimento da educação tradicional, vez que até então, nunca vimos qualquer trabalho neste enfoque, pois mais atuante que seja a presença do marketing influenciando a vida de todos e de cada um. Entendemos que nossa vivência escolar e profissional, sempre ligada a esses dois mundos que até então pareciam distanciados, nos proporciona a viSão e o envolvimento suficiente para trazer o tema a discussão.
Há uma tendência dos que escrevem a respeito do poder, inclusive de muitos que escrevem com amplo conhecimento e inteligência, de permitirem que o assunto os arraste a uma densa complexidade e profunda subjetividade. Tal tentação é compreensível: complexidade e subjetividade são uma proteção contra aqueles críticos que se pode dizer não souberam captar a mensagem; e são ainda mais úteis como uma alternativa labuta e frustração da difícil tarefa de clarificação. Mas são também um disfarce para a verdade – o sucedâneo de uma visão clara e inflexível das questões essenciais. [7]
Veremos adiante o quanto é fácil entender o poder do marketing, sem a necessidade de maiores esforços que os de entender a relação pessoal e agradável entre duas ou mais pessoas. Embora os compêndios de marketing sejam volumosos e quase esotéricos para alguns, não é matéria difícil, na realidade também sofrem de muitos academicismos. Falando nisso, não consigo conter a vontade de contar um fato:
Por volta de 1990, prestando serviço de treinamento numa empresa multinacional, tive entre os treinandos um executivo que fazia pós graduação em marketing. não sei o que ele falou para o seu orientador, mas deve ter feito boas referências pois o ilustre mestre se deu ao trabalho de me procurar e propor sociedade. Queria um sócio para vender os seus cursos nas empresas. Achava que os programas eram muito bons, afinal ele era Phd, tendo lecionado nos Estados Unidos. No entanto, os programas não passavam de elocubrações claustrais de quem nunca tinha vivido, vivenciado, experimentado qualquer atividade real em empresas. No final o professor confessou: “… nunca vendi um parafuso na minha vida!”
Doutrina da eficácia
Marketing não é uma filosofia de vida, que você pode aceitar ou descartar por outra opção, é um conjunto de atividades atuantes como ferramentas de poder nas mãos dos detentores do capital. É uma realidade bem presente na vida de cada um e de todos.
Não se trata aqui de dizer que tudo dentro das atividades e procedimentos de marketing seja rigorosamente danoso. Muito, na humanidade, se deve ao desenvolvimento do marketing interessado em lucros. Os laboratórios particulares, das grandes empresas multinacionais, investem muito na busca de soluções para toda sorte de problemas da vida moderna.
Diferente dos outros estilos de poder já desenvolvidos na história da humanidade, o marketing prefere o desenvolvimento e melhoria de todos para ampliação dos seus mercados consumidores.
Conta-se que um jovem do início do século passado, acometido de um sono profundo, dormiu por quase duzentos anos. Ao acordar e sair pelas ruas, nos tempos de agora, ficou aturdido com tantas novidades que nunca antes imaginara fossem possíveis e diante as quais estava impossibilitado de qualquer interação. Luz elétrica, aparelhos eletrônicos, radio, televiSão, telefone, computador, carros, caminhões, aviões, etc., etc. A mente do jovem não conseguia entender nada do que estava vendo e beirava o ponto de estourar em loucura, até que olhando por uma janela de um prédio velho, reconheceu uma pedra preta na parede onde alguém riscava com um pedaço de giz branco perante um grupo de jovens aparentemente quietos. Sentiu-se, de novo, no seu mundo e entrou na escola.
1 Lei de Diretrizes e Bases, no 9.394, de 20/12/97
2 DEWEY, John Teoria da Vida Moral – p. 48
3 DEWEY, John Teoria da Vida Moral – p. 55
4 GALBRAITH, John Kenneth. A Anatomia do Poder . P.2
5 FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler . p.24
6 De Masi (1999, 86)
7 GALBRAITH, John Kenneth. A Anatomia do Poder . P.XVIII