Uma criança por uma pedra de sabão

Sob o tema: Educar é o jeito mais nobre de viver, Gilberto Dimenstein, correspondente da Folha de S.Paulo em Nova York, publicou um artigo (naquele jornal) em 14 de setembro de 1997, exortando a importância maior do professor sobre o médico.

Dizia no artigo que “A Síndrome da Morte Súbita”, (morrer dormindo) era a segunda causa de morte entre os recém-nascidos americanos. Isso representava tamanha preocupação que uma pesquisa revelou a agonia das mães que chegavam a verificar a situação das crianças em uma média de 16 vezes por dia.

Parecia uma condenação sem solução, pois era muito comum a criança dormir saudável e não acordar mais, morrer por asfixia sem dar o menor sinal de sofrimento ou de alerta aos pais.

Mas eis que surge a ideia da educação, da prevenção.

O governo americano começou em 1994, uma campanha de estímulo ao aleitamento materno, onde as crianças exercitam mais tanto os músculos quanto a respiração, além da proteção natural que absorvem; recomendava a mãe deixar de fumar, pelo menos enquanto grávidas, pois evitaria maiores prejuízos ao desenvolvimento do pulmão do feto; e o que pode parecer um simples detalhe: as crianças devem ser deitadas de barriga para cima, com proteção lateral para não virarem de bruços.

Em dois anos, a mortes por este motivo diminuíram em 30%, prevendo-se com o continuar da campanha, uma redução de 50%.

Isso quer dizer que a metade das mortes de crianças podem ser evitadas com um simples programa educacional.

 

Aprendendo a ser mãe

Para qualquer atividade que se pretenda exercer na vida social e comercial de hoje, são exigidas referências anteriores, cursos, diplomas, etc., no entanto, ninguém se atreve a exigir qualquer aprendizado mais especializado para gerar e cuidar de uma vida.

Enganam-se os que pretendem espelhar na natureza, dizendo que ter filhos é uma atividade natural que não depende de aprendizagem.

A raça humana é muito mais frágil que a maioria dos animais, e o pior é que distanciando da natureza, no seu dia a dia, levando uma vida artificial, acaba por enfraquecer muito mais ainda a sua capacidade de procriar.

As fêmeas da natureza, aquelas que costumam ter parto natural com uma cria por ano, vivem sob regime de muitos exercícios, hábitos e alimentação natural. O que não é o caso da mulher civilizada.

Das fêmeas da natureza que procriam ninhadas, algumas já aos dois ou três anos de vida, poucas conseguem manter integral a sua prole. Isso também não é o caso das mulheres de nossa sociedade.

A vida miserável da maioria das meninas que acabam engravidando sem nenhum preparo para cuidar de seus filhos, é uma das causas maiores de morte antes de um ano de vida. Entenda-se por miseráveis não só a qualidade econômica e financeira de vida, mas também a falta de qualquer instrução básica ou educação primária, passando ainda pelas condições de higiene mínima.

As pessoas que entendem o que seja um soro caseiro, a solução de uma pitada de sal e uma medida de açúcar num copo d’água; que entendem a necessidade de filtrar e/ou ferver a água para eliminar uma série de contaminações bacterianas; a pasteurização do leite animal, etc., não avaliam o quanto isso é desconhecido pela maioria das m ães que vivem ao seu redor.

Muita coisa é considerada luxo, e não se procura aprender. Nem se sente a necessidade de aprender, nem se sabe que se pode aprender a cuidar de uma vida, e que não é natural, como parece, morrerem tantas crianças antes mesmo de completar uma ano de idade.

Formação de monitores de saúde.

Algumas regiões do Brasil, ante a total ausência de qualquer atendimento médico, começam desenvolver agentes de saúde até com analfabetos de boa vontade.

Com uma pecinha de plástico que tem uma colherinha de cada lado, o dosador de soro caseiro, qualquer um pode sair por aí ajudando a salvar vidas.

Com um mínimo de instrução, qualquer um pode sair pelas quebradas da miséria e da ignorância ensinando como se prepara uma água fervida, ou como se côa uma água de poço. Cabe até ensinar o quanto um pedaço de sabão de coco pode salvar uma vida na medida em que consegue uma assepsia bem representativa diante a tanta sujeira.

A ignorância de quem sabe

Você leitor que sabe ler e entender uma série de coisas e é capaz de discernir sobre o certo e o errado em muitas das atividades humanas, talvez não saiba o quanto existe de ignorância em outros meios.

Que tal fazer uma pesquisa simples, entre os mais simples que você conhece?

  1. O que é o soro caseiro? Como se faz? Quais as medidas? Para que serve?
  2. O que é pasteurização? Como se faz? Para que serve?
  3. O que é assepsia? Como se faz? Para que serve?

Talvez a resposta a um ou mais desses itens seja a diferença entre a vida e a morte de uma criança.

Alguns procedimentos tão corriqueiros em alguns ambientes domésticos, são ausentes ou incomuns na maioria das casas vizinhas.

O soro caseiro

Quando há uma infecção intestinal, seja por vírus ou por bactéria, o organismo reage tentando expulsar o agente agressor através do vômito e/ou da diarréia. Esses procedimentos acabam gastando muita água do corpo. O corpo humano é constituído em sua maior parte por água (85%); é como se fosse um arquipélago, cheio de ilhas rodeadas de água por todos os lados; não tem estradas para transportes, somente rios.

A eliminação excessiva de água na tentativa de eliminar a doença, pode causar uma falta de água para outras partes do organismo, tais como a circulação o sangue que leva oxigênio para cada célula do corpo e inclusive para o cérebro. Qualquer célula do corpo, em maior ou menor diferença precisa do oxigênio como energia para seu funcionamento. A falta de água pode interromper o fornecimento vital para as células e provocar a morte do indivíduo.

E onde entra o soro caseiro?

O sal vai provocar uma retenão maior do líquido no organismo, que eliminará menos água através do vômito e da diarréia, vai evitar a desidratação.

O açúcar vai fornecer energia para o organismo debilitado na luta contra o agente invasor, vai evitar a desnutrição.

Receita de soro caseiro: Ferver um litro de água, dissolver duas colheres (de sopa) de açúcar e uma colher (de chá) de sal. Para crianças até um ano, servir uma colher de chá a cada 15 minutos.

As farmácias e os postos de saúde, costumam distribuir as peças de plástico com medidas para fazer um copo de soro caseiro.

Parece muito simples, mas isto salva uma vida.

Você acha isso muito simplório? Saiba que os cientistas não sabiam disso até bem pouco tempo.

A pasteurização

Louis Pasteur (1822-1895), foi um cientista francês que descobriu a possibilidade de eliminar uma grande quantidade de germens dos alimentos mediante o aquecimento e a resfriamento dos líquidos. Alguns micróbios são eliminados quando se ferve a água a 75 graus, outros são eliminados quando se baixa a temperatura para 4 a 6 graus.

O leite de vaca “natural” pode apresentar muitos micróbios que podem causar diarreia na criança e até no adulto; ferver o leite é um procedimento necessário.

A água de poço ou de torneira pode conter muitos agentes nocivos que devem ser eliminados por uma simples fervura da água. Algumas sujeiras maiores podem ser eliminadas pela simples passagem da água por um filtro qualquer, sejam os filtros comerciais, ou até mesmo coadores de pano ou de papel.

Você acha isso muito simplório? Saiba que os cientistas não sabiam disso até bem pouco tempo.

A assepsia

No século passado, veja que não faz tanto tempo, um médico constatou que havia mais mortes em mulheres que tinham parto com os médicos do que as mulheres que tinham parto com as enfermeiras. Acusou os médicos de estarem transmitindo doença e foi expulso do hospital,  acabou morrendo louco.

O que ele não sabia, e os outros também, era que os médicos saiam das salas de operação onde estavam em contato com sangramentos e feridas, para fazerem o parto nas mulheres, sem cuidarem de lavar as mãos com maiores cuidados. Os germes de um paciente passavam para outros, através das mãos dos médicos, causando infecção e morte.

Num procedimento hospitalar, a lavagem das mãos com sabão neutro (sabão de coco), elimina 70% da sujeira das mãos; cuidados maiores exigem produtos especialmente desenvolvidos para assepsia completa.

Em casa, se houvesse a lavagem das mãos e dos utensílios com o simples sabão de coco, 70% da sujeira e dos problemas poderiam ser evitados.

Quer sentir mais fundo? Em cada dez crianças que morreram, sete estariam vivas.

Você acha isso muito simplório? Saiba que os cientistas não sabiam disso até bem pouco tempo.

Como disse o jornalista Gilberto Dimenstein:

“Antes de escrever o título desta coluna, pensei se não estava fazendo injustiça com os médicos. Educar é uma atividade mais nobre do que a medicina porque é o jeito de transmitir o valor da liberdade, ensinando o direito de ter direitos – e de optar. Só opta quem tem informação.”

Para complementar, gostaria de dizer:

Enquanto o médico pode salvar a vida de 3 em cada 10 crianças que estejam doentes, o professor pode evitar que 7 em cada 10 crianças fiquem doentes. E quando falo professor, não estou me referindo a nenhum doutor em educação, mas a qualquer um, mesmo analfabeto, que ensine alguma coisa de útil.

(publicado na Folha da Mantiqueira, Piracaia-SP, 1997)

Esta entrada foi publicada em Educação, Saúde e marcada com a tag , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.