Eu estava no revendedor de tratores de Belo Horizonte, quando chegou um cliente. Italiano, gordinho e bem vermelho, daqueles que falam alto e não têm papas na língua.
Ouvi a sua reclamação:
Tinha comprado um trator 4600 e um arado de três discos de 26 polegadas. Menos de um mês de trabalho e o trator não aguentava mais puxar o arado. Se enterrasse o arado o trator morria.
Eu sabia que o trator 4600 podia trabalhar com quatro discos de 26 polegadas, ou três de 28 polegadas. Eu sabia que um motor normal não arregaria deste jeito.
Chamei o chefe da oficina para que mandasse imediato um mecânico para a fazenda do cliente em Curvelo, com a orientação de que se fosse problema do motor, já estava autorizada a troca.
O mecânico foi no dia seguinte.
Dois dias depois voltou o Italiano. Mais bravo que no dia anterior.
Vinha agora para reclamar do mecânico que, na frente de todos empregados, o chamou de Burro.
Pedi licença para o cliente e fui até a oficina falar com o mecânico para ver o outro lado da história. O mecânico não estava, fora atender outro cliente, mas o chefe da oficina contou o que aconteceu.
O mecânico saiu às pressas de Belo Horizonte para Curvelo. Cento e setenta quilômetros até a fazenda, três horas de viagem. Quando chegou perto do trator logo viu a torneira do tanque quase fechada. Com toda delicadeza típica de quem trabalha com máquinas, disse:
– Quem fez essa burrada aqui?
Torceu a torneira, ligou o trator e saiu fazendo estrago pelo terreiro do cliente para demonstrar que o trator estava bom.
Caiu a cara do cliente, porque só ele mexia com o trator novo.
Voltei até a recepção da loja, tomei um café com o Italiano, mostrei que eu era da mesma raça e não admitia que alguém me tratasse desse jeito. Pedidas as devidas desculpas e buscando falar de outras coisas, o clima foi amenizando. Prometi que aquele mecânico não iria mais fazer serviço para ele.
No dia seguinte, aproveitei a presença de todos os mecânicos e vendedores na empresa, fiz uma reunião para discutirmos aquele evento.
Ficou combinado que em outras situações parecidas com essa o mecânico deveria disfarçar, experimentar o trator diversas vezes, confirmar a denúncia do cliente, abrir aqui, desmontar e montar ali.
De passagem pela torneirinha, colocar no devido lugar, fazer mais coisas, como tirar e recolocar o filtro.
Depois tentar de novo e, conseguindo o devido resultado, simplesmente dizer que poderia ser um entupimento do filtro, coisa rara, mas que acontece.
Na saída ao falar de uma série de procedimentos aleatórios que deveriam ser tomados com a máquina e não deixar de observar sempre a posição da torneira de combustível que pode sair da posição ao bater em algum galho qualquer.
Conversamos então com mecânicos e vendedores que nunca se discute com o cliente, pode-se ganhar uma discussão e perder o cliente.