Saúde mental do estudante de medicina

Martins (1996) depois de apresentar uma extensa revisão bibliográfica sobre a saúde do médico e do estudante de medicina, concluía seu texto recomendando:

  • desenvolver estudos e pesquisas sobre a saúde psicológica do estudante de medicina e do médico, visando detectar precocemente os grupos de risco;
  • realizar trabalhos objetivando identificar os fatores estressantes nos anos de formação médica (graduação e residência médica).;
  • implantar programas de qualidade visando aperfeiçoar o sistema de capacitação profissional
  • criar serviços de assistência médica e psicológica para estudantes e residentes
  • sensibilizar os estudantes, residentes e profissionais em atividade quanto aos riscos de desenvolver distúrbios emocionais e disfunções profissionais, que podem trazer consequências dolorosas para o seu bem estar, para os seus familiares e para os pacientes.

Em artigo de 2006, professores da Faculdade de Medicina de Botucatu publicaram o resultado de uma pesquisa realizada com os alunos de todos os anos da graduação em medicina. Do questionário utilizado para o estudo da prevalência e dos fatores de risco para transtornos mentais em estudantes, colocaram em destaque alguns fatores correlacionados a tais prevalências:

… morar sozinho, ter mesada insuficiente, não receber apoio emocional de que necessita, ter se sentido rejeitado no último ano, ter dificuldade para fazer amigos, não praticar lazer na frequência desejada, não estar adaptado ao local do curso, estar no quarto ano do curso, ter desejado abandonar o curso em algum momento da formação, apresentar autoavaliação ruim sobre seu desempenho escolar, ter perspectivas ruins quanto ao futuro e estar insatisfeito com a escolha profissional. (LIMA, DOMINGUES e RAMOS 2006, 1039)

Os autores concluem:

Por fim, o contexto no qual a educação médica se insere tem sua parcela de responsabilidade: individualismo e competitividade, próprios do sistema capitalista, exigências de mercado e expectativas sociais depositadas sobre o papel médico podem funcionar como potentes estressores ainda durante a formação profissional. As instituições de ensino superior deveriam refletir criticamente sobre este contexto, conhecer as características de seus alunos e os processos de formação, articulando estratégias para auxiliar os estudantes a enfrentar as dificuldades do cotidiano, visando a melhoria da qualidade de vida e a redução de sofrimento psíquico presente nessa população.  (LIMA, DOMINGUES e RAMOS 2006, 1040)

Mais recente e do outro lado do Atlântico, uma dissertação de mestrado sobre a saúde mental dos estudantes de medicina daquela região, conclui por recomendar:

É necessário promover estratégias que promovam o bem-estar psicológico durante a formação médica, ensinem os estudantes a entender e a lidar com sintomas de distress e ajudá-los a reconhecer quando necessitam de ajuda, disponibilizando-a. (ROBERTO 2009)

As estratégias

Esta pesquisa, ora denominada: “estratégias singulares para o cotidiano” pretende estudar a percepção do evento estressor e as estratégias para o enfrentamento daquele sofrimento. Cada indivíduo exerce uma graduação singular na percepção dos eventos estressores e responde, também de forma singular, com sofrimento psicossomático.  Faz-se necessário, como concluíram aqueles professores, “conhecer as características de cada aluno”, mas ninguém pode conhecer melhor o aluno do que ele mesmo.

Duas tecnologias da psicologia humanista, da Abordagem Centrada na Pessoa, podem ser utilizadas: O plantão e o grupo de encontro.

O “plantão” utiliza um espaço discreto onde um plantonista dispõe um tempo para atendimento informal e emergencial. Não há registro do atendimento em si, mas, por conta da pesquisa, pode-se sugerir o registro de depoimentos, uma “versão do sentido”, tanto do atendido como do atendente, e de forma anônima, não identificável, para alimentação do banco de dados, para o estudo científico.

Ao invés de propor um atendimento psicológico nos moldes tradicionais de acolhimento e aconselhamento, já comprometido pelo viés do preconceito, nosso projeto quer estudar as possibilidades de avaliação e enfrentamento dos fatores estressores por parte dos próprios alunos, futuros terapeutas. Leva em conta a onipotência latente própria dos estudantes de medicina, o processo se iniciaria com a divulgação da ideia de autocuidados do cuidador. Destacar a vulnerabilidade geral sem que o sofrimento individual seja um demérito pessoal. O aluno torna se monitor da própria saúde fazendo uso da interconsulta psicossomática, paciente e terapeuta numa única pessoa.

O “grupo de encontro” pautado pelos princípios da ACP: aceitação incondicional, empatia e congruência, pode ser marcado em qualquer lugar aprazível, ao gosto dos participantes, deve promover a integração social, o desenvolvimento pessoal, o alivio das tensões. É um espaço aberto para ouvir e para falar. Sem críticas nem ensinamentos. Liberdade e respeito. Não há ata do encontro, não há registro oficial.  Para a produção científica, podem ser solicitados relatos individuais sobre o dinamismo do grupo.

Das participações nas atividades de atendimento, de grupos, de eventos, poderão ser desenvolvidas as “estratégias para auxiliar os estudantes a enfrentar as dificuldades do cotidiano, visando a melhoria da qualidade de vida e a redução de sofrimento psíquico presente nessa população” (LIMA, DOMINGUES e RAMOS 2006, 1040).

Do banco de dados, os registros das atividades, poderão ser produzidos artigos, dissertações e teses.

As motivações para a escolha da medicina como profissão são de cunho sociológico, econômico e psicológico. Influem o ambiente familiar e o status que a profissão goza na sociedade, trazendo honra, prestígio e gratificação a desejos altruístas de curar os doentes e de atendê-los em suas necessidades. A isso se somam uma sociedade que necessita de médicos, os ganhos financeiros que possam ser auferidos com a profissão e a disponibilidade econômica para cursar uma faculdade.  (BOTEGA 2012, 37)

Um dos problemas que afetam a saúde mental do estudante de medicina é, sem dúvida, a questão a morte no cotidiano da profissão.

Quando o médico e a equipe de saúde se defrontam com pacientes que vão morrer, são mobilizados por ideias, sentimentos e fantasias aterrorizantes que, na maioria das vezes, são negados. Há fortes indícios de que a o medo da morte possa ser um motivador inconsciente da escolha profissional por parte de muitos médicos, enfrentá-la pode estimular a criatividade de profissionais dedicados, que usam todos os recursos para recuperar a saúde de seus pacientes. Mas, em alguns casos, o profissional pode chegar a perder o contato com a realidade, evitando perceber que a morte existe e faz parte da vida. Com isso, ele evita contato com sua impotência frente à realidade da morte e com o fato de que ele mesmo, como ser humano, também é mortal. Essas defesas podem, todavia, predispor a condutas onipotentes, vista como heroicas, e ainda que a razão mostre que nada mais há a ser feito para evitar a morte do paciente. (CASSORIA 2012, 75)

O profissional que lida com a morte e o morrer, om pacientes, familiares, equipes de saúde, instituição e sociedade, como psiquiatra de ligação, como membro da equipe ou como inteconsultor, dever ter as características comuns a todo profissional da saúde: preparo técnico, amor à verdade, capacidade de empatizar-se com o sofrimento alheio, condições para relacionar-se com os outros, atitudes psicoterapêuticas, ética profissional. (CASSORIA 2012, 86)

A medicina permanece, a despeito da crise que atravesso nosso meio, uma profissão que oferece várias possibilidades de realização material, intelectual e emocional. É uma área fascinante, de capital importância para a sociedade, e, como tal, uma carreira desejada e idealizada pelos jovens. O grau de idealização pode, no entanto, geral altas expectativas, que, quando não correspondidas, tende a produzir decepções frustrações significativas, com repercussões na saúde de estudante, residente e médicos. (NOGUEIRA-MARTINS 2012, 103)

Poderíamos caracterizar o estudante de medicina mesmo antes do seu ingresso na universidade, pela extrema pressão que sofre nos esforços para conquista de um lugar no vestibular altamente concorrido, mas como não temos gerência sobre aquilo, vamos nos debruçar sobre o recém-chegado.

Um, dois, três ou mais anos, antes do ingresso na faculdade, foram de muito estudo, muita dedicação, muita renúncia, mas valeu porque se conseguiu o objetivo – entrar em medicina. Passadas as festas de comemoração pela conquista do lugar no curso de medicina começam os primeiros fatores estressantes:

  • Ainda sob o calor da glória: o melhor entre os amigos, o melhor entre os parentes, o melhor da localidade, percebe que não é melhor que ninguém no novo meio, e até pode estar entre os piores;
  • Para muitos desses jovens é a primeira vez que vai morar sozinho, ou com desconhecidos. Não tem mais o aconchego do lar, não tem mais o carinho materno de mãe, avós, tias, e até das empregadas da casa;
  • Alguns desses jovens nunca tiveram que pagar suas contas, agora precisam controlar os saldos, e as faltas;
  • Num ambiente estranho, sem coragem de parecer carente, sofre a inexistência de um apoio emocional de que necessita;
  •  Num ambiente novo, bem diferente do seu lugar de crescimento, tem que fazer novos amigos, e nem sempre isso é fácil;
  • O ritmo de vida mudou, as condições de moradia e transporte mudaram, são tantas as ocupações que não consegue mais cuidar da própria saúde quanto ao lazer e os esportes;
  • Colegial e cursinho foram marcantes no processo de aprendizagem para o vestibular, mas agora a conversa é outra, noutro nível, noutro ritmo, noutra linguagem, é difícil a adaptação;
  • Avalia-se mal diante às próprias expectativas quanto ao desempenho escolar que pretendia apresentar;
  •  Tudo é tão ruim no momento que parece que tudo vai ser muito ruim no futuro;
  • Há momentos em que dá vontade de largar tudo, ou mudar para outra coisa.

A maioria das culturas apresentam rituais, geralmente dolorosos, de iniciação dos jovens na vida adulta, a cultura médica não é diferente.

A tarefa central e prática de uma disciplina de psicologia médica é propiciar ao estudante um espaço para entrar em contato com seus sentimento e reações diante dos seres humanos que está comento a atender, diante de situações concretas. Um espaço que priorize a reflexão e a troca de experiências. Sob diferentes estratégicas, é também o médico ( ou o estudante de medicina) que precisa ser apreendido em sua “vida dramática”. Trata-se de utilizar a vivência como instrumento de aprendizado e de semiologia. (BOTEGA 2012, 44)

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