Relação Médico-Paciente: aspectos psicossociais

Problematizando a abordagem da dimensão psicossocial do processo saúde-doença pelo médico e o desenvolvimento da autonomia dos pacientes, analisaram-se 408 consultas de 20 médicos. As consultas foram observadas sob orientação de um instrumento observacional e registradas em áudio. Os dados do instrumento observacional, aprofundados pela análise de conteúdo das consultas de 10 médicos, demonstram que a dimensão psicossocial não foi abordada na maioria destas consultas. Observou-se predomínio do padrão biomédico de relação médico paciente, com o profissional assumido uma postura não-dialógica, circunstância desfavorecedora do desenvolvimento da autonomia dos pacientes. (FRANCO e ALVES 2005)

Glosa é “um termo obscuro que carece explicação” (HOUAISS 2009), daí o costume de fazer um glossário, aquele pequeno dicionário anexado ao final de algumas obras específicas com a finalidade de dar a entender os termos utilizados naquela área do conhecimento. Cada especialidade cria termos novos porque os existentes não dão conta de explicar uma nova situação, ou adapta um conceito quanto o uso corrente daquele termo não condiz com o pensamento do momento naquela especialidade. Os conjuntos de glossários específicos de áreas afins acabam por se constituírem em dicionários, tais como: médico, psicanalítico, sociológico e antropológico, entre outros.

As pessoas de uma determinada atividade, ou de uma região, utilizam termos que só elas entendem a acepção utilizada. Esse é um problema de comunicação que os médicos costumam enfrentar, por não entenderem o que o paciente está querendo dizer. Os pacientes também sofrem esse problema, pois raramente entendem, exatamente, a linguagem do médico.  O professor Paulo Dalgalarrondo teve o cuidado de acrescentar em seu livro “Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais”, vinte e uma páginas de verbetes recolhidos por diversos autores: “Glossário de denominações populares relacionados a comportamentos, estados e transtornos mentais, substâncias psicoativas e psicopatologia geral” (DALGALARRONDO 2008, 395-416).

Uma tia minha reclamava que foi a médico com nariz entupido e o médico receitou um laxante, provavelmente ele tenha dito que estava constipada.

Eu fazia uma palestra sobre sexualidade quanto alguém perguntou se o correto seria clitóris ou clitóris. Emendei que poderia ser tanto um quanto outro e ainda mais, clitóride. Do meio da plateia ouvi outra pergunta: “E lá o que é isso?”. Pelo sotaque nordestino respondi logo: “Grêlo”, uns riram, outros entenderam.

Numa entrevista gravada para uma pesquisa minha, a paciente dizia que a sogra percebeu que estava “penca”. Eu não perguntei na hora o que era aquilo e nunca mais fiquei sabendo, porque a paciente logo foi a óbito. Deduzi que seria algo relacionado ao resguardo pós-parto, mas nunca saberei ao certo.

Meu orientador de doutorado sempre repetia que ler um novo autor é aprender uma nova linguagem, pois é necessário entender o significado de cada palavra em uso naquele texto ou naquela obra. Não dá para ler Freud sem saber o que ele quer dizer com id, ego e superego.

No ano de 1999, eu estava no atendimento psicológico da clínica ortopédica do Hospital Geral do Complexo Juquery, em Franco da Rocha – SP, quando, numa segunda-feira, me deparei com dois novos pacientes acidentados. Um homem forte com seus cinquenta anos, moreno, frentista de um posto de gasolina que se esqueceu de tirar os pés do caminho de um pneu de caminhão; seus dedos foram esmagados e a equipe médica resolveu amputar os dedos todos daquele pé. O homem ficou revoltado e dizia que não queria mais viver: “Não sou homem para viver aleijado”. Depois de quinze dias, morreu ali, naquela cama, com diagnóstico de pneumonia e anemia, mesmo recebendo soro com antibióticos, para a infecção e recebendo transfusão de sangue para correção da anemia. Morreu porque não quis viver aleijado. No leito ao lado havia dado entrada um paciente, cerca de 30 anos, ciclista atropelado na Rodovia Fernão Dias, quatorze fraturas do joelho à clavícula, passando por pernas, bacia, braços e costelas. Imobilizado por tanta quebradeira, rezava para poder sair dali numa cadeira de rodas, para, dizia ele: “ver minha filha crescer”.  Depois de um mês, saiu de muletas, para ver a filha crescer. Saiu para viver. Um morreu porque quis e outro não quis morrer.

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