Pragmatismo no ensino

Nos cursos de Pedagogia e de Psicologia Educacional, assim como também no curso de pós-graduação em Didática do Ensino Superior, tenho visto uma preocupação desmedida na idéia de educação, voltada exclusivamente para o desenvolvimento cultural e intelectual utilizando as mais diversas teorias educacionais, onde, quase sempre, se refere com desdém qualquer idéia de treinamento operacional. Parece, pela forma como é tratado, que treinamento não faz parte das atribuições de ensino. Volta-se, a educação, para os nobres ideais de formação de um cidadão livre e autônomo, suficientemente integrado com o mundo e com a natureza humana, sem considerar qualquer atividade utilitária. Ao se referir a processos de treinamento operacional na formação profissional, sempre São levantadas todas as impropriedades possíveis, chegando s raias da comparação aos mais extremos métodos de alienação da pessoa humana.

A imagem que se forma é a de que, na escola, o pragmatismo não é eticamente correto, destacando-se procedimentos amorais, e até, imorais, segundo uma tica estritamente acadêmica.

Sei que há muita exploração e até exageros no aproveitamento dos recursos humanos na atividade produtiva, mas nem tudo é criminoso no desenvolvimento de treinamentos operacionais, além do que, muito seria útil, atividade acadêmica, aprender um pouco com o que é desenvolvido nesse “mundo selvagem do capitalismo”.

Vivo há cerca de 40 anos envolvido com aprendizagem/ensino ou treinamento, seja na escola formal ou nas empresas, ora aluno ora professor, ora treinando ora treinador. Por uma razão ainda desconhecida, ou mal resolvida, gosto dessa atividade de tal forma que dela exijo muito mais de que qualquer outra. Gosto de aprender, gosto de ensinar. Atuando sempre na iniciativa privada, primordialmente na área comercial, nas mais diversas funções, de vendedor a consultor, sempre me envolvi de forma intensa na transmissão de informações ou desenvolvimento de aprendizagem.

Enquanto, de um lado, na empresa, se desenvolvem treinamentos práticos operacionais sem maiores cuidados com conceitos básicos, doutro, nas escolas, se discutem muitos conceitos sem propiciar a atividade prática. A atividade acadêmica costuma rotular os treinamentos nas empresas como mecanismos alienantes, sem compostos teóricos que sustentem tais procedimentos, enquanto os dirigentes das empresas reclamam da falta de praticidade e desvinculação com a realidade, dos conceitos discutidos na formação acadêmica. Já presenciei professores universitários declararem a falta de possibilidade de uma exemplificação prática de tal teoria, vez que por serem conceitos puros e abstratos, seria muito difícil isolar todas as variáveis possíveis num exemplo mais concreto. Da mesma forma presenciei empresários de mercado tomarem um rumo específico de trabalho sem nenhuma teoria que servisse de sustentáculo.

“Quem quer fazer tudo perfeito, não quer fazer nada.” Ditado espanhol

TEORIA E PRÁTICA, NUMA VISÃO CLÁSSICA.

Busquei um clássico da educação ainda do início do século, uma publicação de 1903 “Teoria da Vida Moral” e “Experiência e Educação” de 1938 de John Dewey (1859-1952), onde num o autor discute a formação ética do cidadão no contexto social e no outro o valor da experiência prática na educação.

Êxito como fim

“Interesse próprio esclarecido, planejamento e cálculo para o êxito parecem não se enquadrarem muito bem como motivos elevados. Mas quando se considera o número de males praticados por simples ignorância, loucura, desleixo, sujeição a caprichos e impulsos momentâneos, pode-se concluir, seguramente, que o estado de coisas seria melhor se maior número de pessoas fosse incitado por interesse inteligente nas realizações externas. E, quando consideramos o número dos que se tem orgulhado de serem dotados de moral, e dos que se tem contentado com o mero fato de “terem sido bem intencionados”, (e, segundo o ditado, “de boas intenções o inferno está cheio”) – sendo destituídos de ação e eficiência na execução – não se pode negar alguns respeito a uma doutrina que acentua a realização mesmo que o padrão dela não seja elevado. [1]

Mas a maneira de eliminar preferência por conveniências tacanhas e imprevidentes é não condenar o que é prático como vil e mercenário, em comparação a idéias espirituais e sim em cultivar todas as oportunidades possíveis de fruir realmente os valores refletivos e empenhar-se na atividade, na prática, que aumenta sua extensão. [2]

Na introdução dessa obra, Dewey define ética como sendo “a ciência que versa sobre a conduta, na medida em que se considera esta certa ou errada, boa ou má.” (p. IX)

Dewey destaca dois aspectos, para a discussão da vida moral: um lado psicológico (interior), onde implica pensamentos, sentimentos, ideais e motivos; um lado comportamental (exterior), a relação com a natureza, e especialmente, com a sociedade humana.

“A sociologia, a economia, a política, as leis e a jurisprudência tratam, especialmente, desse aspecto da conduta. A ética deve empregar seus métodos e resultados para esse aspecto do problema, enquanto a psicologia no exame da conduta de sua parte interior.

Mas a ética não é simplesmente a soma dessas várias ciências. Tem um problema próprio, criado justamente por esse duplo aspecto da vida e da conduta. Tem que ligar dois aspectos. Tem que estudar o processo interior, determinado pelas condições ou transformações das condições exteriores, e a conduta ou instituição exterior, determinada pelo objetivo interior ou pelo fato de afetar a vida interior. “[3]

Dewey acha conveniente distinguir três níveis de comportamento e conduta:

“1. atuação motivada por várias necessidades de ordem biológica, econômica ou outros impulsos morais (e.g. família, vida, trabalho); 2. comportamento ou conduta, pelo qual o indivíduo aceita, com reflexão crítica relativamente pequena, os padrões e processos de seu grupo conforme acham incorporados os costumes ou mores; 3. conduta pela qual o indivíduo pensa e julga, por si, considera se um objetivo é bom ou direito, resolve e escolhe e não aceita, sem reflexão, os padrões do grupo. ” [4]

Percebe-se na classificação de Dewey, uma graduação da conduta individual num crescente desde a dominação até a libertação, havendo um meio termo entre as polaridades. Constata-se aí a existência de situações reais de existência que não podem ser suprimidas das preocupações com os currículos escolares, sejam em quaisquer níveis, notadamente na formação de nível superior.

Em Experiência e Educação, Dewey confronta as falhas tanto da educação tradicional quanto da então chamada “escola nova” funão principalmente tendência de polarizar as teorias:

“O homem gosta de pensar em termos de oposições extremadas, de pólos opostos. Costuma formular suas crenças em termos de “ou outro”, “isto ou aquilo”, entre os quais não reconhece possibilidades intermediárias.” [5]

Podemos dizer que a situação não é diferente quando se confrontam ensino acadêmico (escola) e desenvolvimento profissional (empresa)

Parece uma visão muito limitada para pertencer a cabeças tão ilustradas como de professores e empresários. Imaginemos uma interpretação clássica de Hamlet, de um lado se percebe tão somente a discussão filosófica que o texto propicia, doutro só se valorizam os adereços, fantasias e movimentos de palco. Um texto sem interpretação ou uma performance sem texto, em nenhum caso é uma arte completa.

PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM

Diante a tantas e diferentes abordagem sobre o processo e o mecanismo da aprendizagem, busquei em Enrique Pichon-Rivière, diretor da Escola Psicanalista Argentina.

“O caráter ou personalidade resulta do estabelecimento de uma relação particular com um objeto animado ou inanimado, ou com um grupo, de uma maneira particular e com uma fórmula particular.”[6]

A formação do caráter, objeto primordial da educação, não pode desconsiderar a forma como o indivíduo percebe o seu mundo. O mundo não é igual para todos, mas o objeto percebido por cada um (Gestalt). Antes de aprender os conceitos de qualquer filosofia acadêmica, o sujeito é conduzido a aprender as regras do jogo no seu meio social, onde, invariavelmente, é sobremaneira valorizado o resultado prático de qualquer ação, seja no âmbito da sobrevivência fisiológica, na conquista de um lugar seguro, no entrosamento social, na conquista de uma posição (conforme a classificação das necessidades de Abraham Maslow). Segundo Maslow, a auto-realização, onde o indivíduo busca a satisfação pessoal independente do contexto externo, está muito aquém das possibilidades da maioria das pessoas.

No ambiente intra-psíquico, a relação do sujeito consigo próprio, onde elabora e discute seus próprios conceitos sob a pressão do que percebe de fora, na elaboração do Ego pela dialética entre o Id e o Superego, o sujeito está sempre envolvido no conjunto de atividades práticas para sua sobrevivência física e social.

No ambiente extra-psíquico, a relação do sujeito com seus pares, os conceitos de vida são hegemonicamente dominados pelas leis de mercado, onde os valores São ditados pelos interesses políticos sempre dominados pelo poder do marketing internacional.

O indivíduo em formação não pode ser tomado como sendo unicamente do tipo capaz de resolver e escolher o melhor para si independentemente s pressões da sociedade. Por melhor que sejam os estudos de nível superior, nas matérias específicas, o indivíduo está inserido numa sociedade em que pouco representa fora do seu nível de estudo ou especialização. Mesmo um doutor, seja em qualquer assunto, está sujeito a todas as regras da sociedade no seu dia a dia social, e tem que se submeter aos procedimentos externos ao seu foco primário e especializado de desenvolvimento cultural ou científico.

Para melhor convivência, seja de quem for, numa sociedade mais ampla, é necessário um estudo e, por que não, um treinamento operacional para sobrevivência social. É necessário o entendimento dos valores existentes na sociedade em que se vive, por mais culto e evoluído que seja o indivíduo. É, no mínimo, inocência, julgar que se possam cuidar, na universidade, de apenas, os objetivos de formação de indivíduos no nível 3 da classificação de Dewey.

Vivemos numa sociedade hegemonicamente dominada pelo marketing internacional, onde os valores preponderantes estão na capacidade de consumo, o que pressiona as pessoas no sentido de desenvolver procedimentos e atitudes em busca de ganhar o suficiente para os gastos pretendidos. não adianta querer desvincular qualquer estudo, por mais puro e nobre que seja, dos fatores de capacitação utilitária, vez que para a própria manutenão e dedicação a tais ideais, se exige capacidade de negociação de valores do próprio trabalho.

 

CONCLUSÃO

Não se pode, em nome do desenvolvimento da moral individual e da ética de algumas ciências, relegar a último plano a realidade da sociedade em que se vive. Preparar o indivíduo, de forma completa, significa cuidar dos ensinamentos de ordem intra-psíquicos na formação de elevados valores morais, sem no entanto, descuidar de prover de ensinamentos práticos e necessários para a sobrevivência social.

Negar a validade de desenvolvimento desses ensinamentos é, no mínimo, isolar-se de toda conquista humana dos últimos 500 anos.

não cabe, neste trabalho, discutir toda moral dos procedimentos habituais nos meios comerciais e produtivos, mas alertar que sem esses estaríamos retornando aos claustros da Idade Média, ambientes fechados de estudos a revelia do que acontecesse fora dos muros do convento.

“O educador, mais do que os membros de qualquer outra profissão, tem que olhar para o futuro, que alimentar uma visão de longo alcance.” [7]

GLOSSÁRIO

Ambiente intra-psíquico – meio interno, do indivíduo, onde se processam as informações.

Aprendizagem – mecanismos de aquisição de novas informações com desenvolvimento de novos procedimentos, mesmo que apenas internamente.

Claustro: “… 4-Assembléia de professores universitários.” (8)

Conhecimento – repertório de informações adquiridas, do meio externo ou do processamento interno, e processadas internamente, podendo ou não refletir em procedimentos externos.

Ensino – atividade formal de formação da personalidade.

Ética – do grego, ethos – usos, costumes.

Informação – um dado novo advindo do meio externo.

Indivíduo – unidade de personalidade composta de ambiente intra-psíquico e sua percepção do meio externo.

Marketing – Conjunto de atividades que procuram “conquistar e manter clientes”.

Meio externo ao indivíduo – ambiente percebido pelo indivíduo, processado como informação, independente do entendimento, de interação física e procedimentos respondentes.

Meio interno do indivíduo – ambiente intra-psíquico onde se acumulam as informações e se desenvolvem os entendimentos de acordo com o processamento do indivíduo.

Moral – do latim, mores – usos, costumes

Treinamento – mecanismos de transmissão de informações voltadas para o desempenho de determinados procedimentos.

BIBLIOGRAFIA

DEWEY, John. Teoria da Vida Moral . Trad. De Leonidas Gontijo de Carvalho. São Paulo:Ibrasa, 1964. 159 p.

DEWEY, John. Experiência e Educação. Trad. de Anísio Teixeira, 2a ed. São Paulo:Ed.Nacional, 1976. 97 p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1499 p.

PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teoria do Vínculo. 5a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, 143 p.

[1] DEWEY, John Teoria da Vida Moral p.48

[2] DEWEY, John Teoria da Vida Moral p.55

[3] DEWEY, John Teoria da Vida Moral p. X

[4] DEWEY, John Teoria da Vida Moral p.XI

[5] DEWEY, John Experiência e Educação p. 3

[6] PICHON-RIVIÈRE, Enrique Teoria do Vínculo p.5

[7] DEWEY, John Experiência e Educação p. 77

[8] FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda Novo dicionário da língua portuguesa. p.335

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