Num fim de tarde, estava em Linhares, lá por 1978, um colega local me chamou para eu conhecer uma barbearia; eram dois irmãos bem-falantes e simpáticos.
Provocado pelo meu colega, que os conhecia bem, um deles, o mais novo, começou contar sua história:
– Eu tinha feito dezoito anos e achei que era hora de me livrar daquele tipo de trabalho do mato, de plantar e cuidar de banana, troço sem futuro nenhum. Eu fiquei sabendo que estavam construindo um porto em Vitória e que tinha vaga para todo tipo de serviço. Resolvi mudar de vida e parti para Vitória, lugar que nunca tinha ido em toda minha vida na roça.
– Nunca tinha visto uma cidade grande, nem o mar eu conhecia, mesmo morando tão perto. Era uma vida de jacu, sempre em volta das bananas.
– Eu era tão analfabeto que não sabia preencher ficha de emprego. Demorava tanto que quando terminava a ficha, a vaga já tinha sido ocupada por outro mais esperto.
– Eu não conhecia ninguém, não sabia que havia pensão, não tinha dinheiro para hotel; dormi dois dias enfiado naqueles canos de cimento de um metro de largura, que ficavam empilhados em todos os lugares. No terceiro dia, começou chover, não dava para sair do cano. No quarto dia desisti, resolvi voltar para casa, mas só tinha ônibus até Colatina.
– A chuva não parava e não tinha condução para o sitio; era estrada de terra e ninguém passava naquela lama.
– Já tinha três dia que eu estava em Colatina, dormindo encostado em algum lugar que chovesse menos, minha barriga roncava de fome. Eu não tinha dinheiro para um pedaço de pão. Passei três dia comendo manga, que caia no chão. Comia manga e cagava estopa.
– Lá em Colatina tem um restaurante, na beira do rio, todo fechado de vidro. Eu ficava na calçada olhando as pessoas comendo e bebendo, enquanto minha barriga roncava e doía de fome.
– Tinha um velho, com uma moça loira muito bonita, que certamente não era mulher dele, almoçando bem perto do vidro. Cada vez que o garçom passava a faca na carne do espeto, parecia que estava cortando dentro da minha barriga. Prometi para mim mesmo que um dia voltaria ali para comer aquele churrasco.
– A chuva diminuiu, peguei carona com um caminhão que ia lá pros lados da casa do meu pai.
– Meu irmão veio para Linhares, começou cortar cabelo numa barbearia, depois, quando montou sua própria barbearia, me chamou para aprender o ofício.
– Os anos foram passando, casei-me, montei uma casa, e depois de quinze anos, consegui comprar uma Brasília. Usada, mas bem ajeitada. Daí pensei comigo, tá na hora de cumprir minha promessa para mim mesmo, ir comer aquele churrasco em Colatina.
– Tinha carro, tinha dinheiro, mas não tinha a loira. Minha mulher não servia, pois ela é bem morena e a mulher da minha promessa tinha que ser loira.
– Pensei que fosse fácil, mas não consegui encontrar quem quisesse ir comigo naquela churrascaria.
– Como último recurso, fui na zona. Procurei as loiras da casa e fiz a minha proposta, ir comigo comer um churrasco em Colatina.
– Não deu certo, ninguém confiou nas minhas boas intenções e achavam que tinha coisa ruim por traz dessa história de comer churrasco me Colatina.
Em fechou a sua história:
– Agora que tenho casa, tenho carro, tenho um bom serviço, ainda não consigo arrumar uma loira para comer um churrasco.