Não haveria problema, se o problema não fosse criado

Pesquisando entre os mais próximos sobre a receptividade das matérias aqui tratadas nos surpreenderam a semelhança de dois pedidos: Um sobre a sexualidade nos jovens e outro sobre a sexualidade nos idosos.

Na visão da psicologia social é possível perceber algumas diferenças de enfoques quanto sexualidade em função de procedimentos calcados na primeira infância. Era muito diferente a formação dos conceitos de sensualidade e sexo entre famílias do campo e da cidade, até bem pouco tempo, antes da geração televisão.

Sexualidade na família campesina

Na roça, ou no ambiente campestre das pequenas cidades, as crianças não recebiam maiores cuidados na instrução sexual, muito menos sobre sensualidade. O aprendizado se dava num ambiente muito natural, através da observação dos procedimentos animais. ” Corre galinha, que o galo te pega”, era brincadeira até dentro das escolas de primeiro grau. A relação sexual para procriação nunca foi segredo para criança alguma daquele ambiente. Brincar “de médico” e “de casinha”, poderiam envolver exploração do corpo do outro como a mais inocente das brincadeiras. Era inocente como uma piada da época:

Uma menina, com dez anos, passava pela praça da igreja campeando uma vaca. O padre perguntou onde ela estava levando a vaca. A menina respondeu tranquilamente:

– ” Vou levar a vaca para o boi do seu Zé cobrir ela”.

O padre indignado perguntou se o pai dela não poderia fazer esse serviço. Ao que a menina respondeu:

– “Pode não, seu padre, se não ela não emprenha”.

Nesse ambiente, o sexo não era tido como problema mental ou psicológico, apenas uma questão de maturação biológica.

Sexualidade na família burguesa

Enquanto isso, nas famílias burguesas e aristocráticas, sob a influência da igreja e da moral vitoriana, se procurava “poupar” as crianças de qualquer proximidade com o assunto. Na era vitoriana não se servia frango assado inteiro sobre a mesa (imagine a cena) e até as pernas de mesa e de sofás eram cobertos de saias. No Brasil Império, ver o pé de uma moça era de causar espécie. Vide o livro de José de Alencar: A pata da gazela.

Tudo que se busca encobrir, tudo que se busca proibir, desperta uma curiosidade proporcional importância dada proibição. Inventaram a estória da cegonha, de bruxas, de príncipes e princesas, e muitas outras fantasias para ocupar as crianças e desviar da curiosidade básica. O resultado psicológico foi desastroso. Mentiras e falsetas acabaram por desenvolver mais desconfiança, insegurança e depravação do que prevenção e a reserva pretendida pela moral vigente. Fácil ler isso tudo nas obras de Freud.

Problemas imaginários

Na hora do despertar biológico da atividade sexual reprodutora, todos os tabus e preconceitos entram em conflito na cabeça do indivíduo, acabando por atrapalhar o desempenho na mais natural e singela relação entre as pessoas. A insatisfação sexual, extremamente pudorizada e confinada, acaba por gerar ou interferir nos outros tipos de relação e provocar outras insatisfações. DA mesma forma que os preconceitos e problematizações psicológicas acabam por encurtar a vida sexualmente ativa do indivíduo.

Sexualidade, sensualidade

Poder-se-ia viver afetiva e sensualmente bem, mesmo sem a atividade sexual fisiológica, não fossem as pressões exercidas no indivíduo sobre a necessidade do sexo dominador e eficiente.

Com o advento do cinema e depois a televisão, a cultura burguesa foi imposta a todos. De um lado o discurso puritano e de outro a exploração da sexualidade na pior das suas abordagens. Até a população mais campesina teve que assimilar os preconceitos burgueses sobre um assunto que era tirado de letra.

Há mais problemas criados na imaginação do que problemas reais, atrapalhando a vida sexual das pessoas, sejam jovens inexperientes ou idosos bem vividos.

Heróis que matam

Com os heróis cinematográficos modernos, “perfeitos em tudo”, fica difícil para o ser humano normal ter uma referência satisfatória. É bom lembrar para os leitores em geral que os heróis da tela são fabricados para venda da fantasia, não servem de referência para o vivente comum. Os consultórios psicológicos andam cheios de pessoas insatisfeitas ante a comparação com tais figuras.

ROSSI, P.S. Sexualidade – não haveria problema, se o problema não fosse criado. Folha da Mantiqueira. Piracaia -SP, 08 nov 97, p.2

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