Introdução a psicologia humanista

1. introdução

A Psicologia Humanista surge nos Estados Unidos, na década de 60, como um movimento contrário às “forças” predominantes do Beharviorismo e da Psicanálise.

Abraham Maslow, Anthony Sutich, S.Cohen são nomes que aparecem na primeira revista em 1961, surgindo depois a Associação Americana de Psicologia Humanista.

Ao contrário das outras duas “forças”, não se concentra em um só mentor, ou um paradigma fechado, mas agrega uma série de contribuições diversas em torno de algumas propostas comuns. Critica a visão pessimista de Freud, mas apresenta
simpatias por algumas partes das teorias de Alfred Adler, Otto Rank, Carl Jung e Wilhelm Reich. Convive com neo-psicanalistas tais como Erik Erikson e Erich Fromm. Recebe influências da Gestalt (de Kurt Lewin, Wolfgang Köhler, Kurt Koffka e Friederich Perls) do Psicodrama de Jacob Levy Moreno. Vai também articular paralelos com as filosofias existencialistas e fenomenológicas. Daí a presença de idéias de nomes tais como Kierkgaard, Buber, Nietzche, Heidegger e Sartre. (Boainain Jr, 1994)

A psicologia humanista se destaca por privilegiar a saúde, o bem estar humano, o potencial de crescimento e a auto-realização, contrariando outras visões que focalizam primordialmente o componente patológico, a doença e o distúrbio.

Conforme Boainain Jr (1994:8):

Enxergando o homem como um todo complexo e organicamente integrado, cujas qualidades únicas vêm de sua configuração total, rejeitam os humanistas as concepções elementaristas e fragmentadoras da psique. (…) Daí o generalizado
consenso, que alguns entendem como a característica mais marcante da visão de homem que Psicologia Humanista apresenta, em rejeitar concepções estáticas da natureza humana, considerada antes como algo fluido: uma tendência para crescer, um movimento de sair de si, um projetar-se, um devir, um incessante tornar-se, um contínuo processo de vir a ser.

2. Carl R. Rogers

Carl Ramson Rogers (1902 –1987) nasceu numa família religiosa de rígidos preceitos morais, onde se deveria aprender com os ensinamentos já definidos pela tradição. Morando numa fazenda, desenvolveu logo cedo o interesse pela pesquisa
científica, estudando sozinho:

… como se comparam grupos de controle com grupos experimentais, como se tornam constantes as condições, variando os processos, para que se possa estabelecer a influência de uma determinada alimentação na produção de carne ou na produção de leite. Aprendi como é difícil verificar uma hipótese. Adquiri deste modo o conhecimento e o respeito pelos métodos científicos através dos trabalhos práticos. (ROGERS, 1991:18)

Chegou a estudar teologia (1924) para seguir carreira religiosa, mas percebeu que não conseguiria viver com normas rígidas e crenças impostas. Optou por estudar psicologia na Universidade de Columbia (1926) e iniciou a vida profissional numa instituição para menores delinqüentes (1930). Em 1940 vai ser professor na Universidade de Ohio. Em 1945 publica sobre a “não-diretividade”, em 1951, publica “Terapia centrada no cliente – teoria e prática”. A prática clínica foi mostrando alguns caminhos no sentido de facilitar o desenvolvimento da pessoa a partir de uma relação que ele chamou de “não diretiva”, pois, como ele diz:

Comecei a compreender que, para fazer algo mais do que demonstrar a minha própria clarividência e a minha sabedoria, o melhor era deixar ao cliente a direção do movimento do processo terapêutico. (ROGERS, 1991:24)

Note-se que Rogers trata a pessoa por cliente e não por paciente, como nas outras abordagens clínicas.

Conforme T.Schultz (2004:314):

Rogers acreditava que somos seres racionais governados por uma percepção consciente de nós mesmos e de nosso mundo experiencial. Ele não deu muita importância às forças inconscientes ou a outras explicações freudianas e rejeitou a noção de que eventos passados exercem uma influência controladora sobre o comportamento presente. (…) Ele trabalhou com a realidade da maneira como ela é conscientemente percebida por nós e notou que essa percepção nem sempre coincide com a realidade objetiva.

3. A abordagem centrada na pessoa

Conforme o próprio Rogers (1983:38):

O que eu entendo por abordagem centrada na pessoa? Este é o tema principal de toda a minha vida profissional, que foi adquirindo contornos mais claros a partir da experiência, da interação com outras pessoas e da pesquisa. Sorrio quando penso nos diversos rótulos que dei a esse tema no decorrer de minha carreira – aconselhamento não-diretivo, terapia centrada no cliente, ensino centrado no aluno, liderança centrada no grupo. Como os campos de aplicação cresceram em número e variedade, o rótulo abordagem centrada na pessoa, parece ser o mais adequado. (…) A hipótese central dessa abordagem pode ser colocada em poucas palavras. Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para a autocompreenção e para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu comportamento autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um clima passível de definição, de atitudes psicológicas facilitadoras.

Essas condições facilitadoras que Rogers vai referir como sendo “necessárias e suficientes” podem ser resumidas em congruência, aceitação incondicional e empatia. Tais condições se valem para quaisquer relações entre duas ou mais pessoas, sejam terapeuta e cliente, pais e filhos, lideres e grupos, chefes e equipes, etc.

3.1. Congruência

Poderia ser chamada de autenticidade ou sinceridade, mas o termo “transparente” talvez seja a melhor tradução. Quanto mais a pessoa se mostrar como ela é mesmo, maior será a confiança na relação estabelecida. No caso do terapeuta, derruba as
resistências do cliente, no caso do professor, libera a manifestação dos alunos.

Ser verdadeiro não implica em dizer tudo que vem à mente, não resulta em ser “curto e grosso”, mas remete, principalmente, a não fingir o que não se é. Assim como não se fazer de todo poderoso, de prepotente (seja terapeuta, professor, chefe, pais, colega, etc.), mas deixar claro mesmo as próprias limitações diante ao fato em questão.

3.2. Aceitação incondicional

A relação com o outro implica sempre num julgamento pessoal, na utilização de preconceitos, valores estabelecidos, limitando a possibilidade de comunicação eficaz. A teoria de Rogers percebe a importância da aceitação incondicional, o interesse e a consideração pelo outro, como atitude positiva para a relação. É uma atitude libertadora, onde permite que o outro se manifeste integralmente sem medo de obstáculos ou censuras.

3.3. Compreensão empática

Empatia é entrar no mundo interno do outro, colocar-se no lugar do outro “como se fosse o outro” para tentar entender o ponto de vista e o entendimento do outro. É um tipo de escuta ativa e sensível. Não é uma atitude fácil, mas extremamente poderosa nas relações. Conforme Rogers (1983:39): “Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhes possibilita ouvir mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas”.

3.4. Tendência para o funcionamento pleno

Embora sempre tivesse sido criticado pelo seu otimismo, Rogers (1983:40) afirmava:

Podemos dizer que em cada organismo, não importa em que nível, há um fluxo subjacente de movimento em direção à realização construtiva das possibilidades que lhe são inerentes. Há também nos seres humanos uma tendência natural a um
desenvolvimento mais completo e mais complexo. A expressão mais usada para designar esse processo é “tendência realizadora”, presente em todos os organismos vivos.

Em resumo, na crença de Rogers, a liberdade para a ação, a partir do autoconhecimento, leva o indivíduo a uma construção harmônica e positiva: Segundo o nosso ponto de vista, dado um clima psicológico adequado, o ser humano é digno de confiança, criativo, automotivado, poderoso e construtivo – capaz de realizar potencialidades jamais sonhadas. (ROGERS, 1983:63)

4. Glossário

Empirismo – doutrina segundo a qual todo conhecimento provém unicamente da experiência, limitando-se ao que pode ser captado do mundo externo, pelos sentidos, ou do mundo subjetivo, pela introspecção, sendo geralmente descartadas as verdades reveladas e transcendentes do misticismo, ou apriorísticas e inatas do racionalismo. (HOUAISS, 2001)

Existencialismo – conjunto de teorias formuladas no séc. XX, com forte influência do pensamento de Kierkegaard (1813-1855), que se caracterizam pela inclusão da realidade concreta do indivíduo (sua mundanidade, angústia, morte etc.) no centro da especulação filosófica, em polêmica com doutrinas racionalistas que dissolvem a subjetividade individual em sistemas conceituais abstratos e universalistas. (HOUAISS, 2001)

Fenomenologia – qualquer formulação teórica (especialmente nas ciências humanas, psicologia ou psicanálise) que busque ressaltar descritivamente a experiência vivida da subjetividade, em detrimento de princípios, teorias ou valores preestabelecidos. (Houaiss, 2001)

Gestalt – teoria que considera os fenômenos psicológicos como totalidades organizadas, indivisíveis, articuladas, isto é, como configurações. (HOUAISS, 2001)

Humanismo – conjunto de doutrinas fundamentadas de maneira precípua nos interesses, potencialidades e faculdades do ser humano, sublinhando sua capacidade para a criação e transformação da realidade natural e social, e seu livre-arbítrio diante de pretensos poderes transcendentes, ou de condicionamentos naturais e históricos [No séc. XX foi especialmente defendido pelo existencialismo sartriano e pelo marxismo ocidental, e rejeitado por Heiddeger e pelos estruturalistas. (HOUAISS, 2001)

5. Referências Bibliográficas

HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro – Editora Objetiva, 2001 [CD]

P.SCHULTZ. Duane. Teorias da personalidade. São Paulo: Pioneira Thomson, 2004. 530 p.

BOAINAIN Jr, Elias. O estudo do potencial humano na psicologia contemporânea: a corrente humanista e a corrente transpessoal. In: Potenciais Humanos – Boletim do Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre o Desenvolvimento de Potenciais Humanos, vol I n. 2, 1994 – São Paulo: USP

ROGERS, Carl R. Tornar-se Pessoa. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 360 p.

ROGERS, Carl R. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983. 156 p.

6. Adendo
Rogers, por ele mesmo
Recortado de: Rogers, Carl R. Tornar-se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 1991
1. Nas minhas relações com as pessoas descobri que não ajuda, a longo prazo, agir como se eu fosse alguma coisa que eu não sou. (p.28)
2. Descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo. … Julgo que aprendi isto com meus clientes, bem como através da minha experiência pessoal – não podemos mudar, não podemos afastar do que somos enquanto não aceitarmos profundamente o que somos. (p.29)
3. Atribuo um enorme valor ao fato de poder me permitir compreender uma outra pessoa. (p.30)
4. Verifiquei que me enriquece abrir canais através dos quais os outros possam comunicar os seus sentimentos, a sua particular percepção do mundo. (p.31)
5. É sempre altamente enriquecedor poder aceitar outra pessoa. (p.32)
6. Quanto mais aberto estou às realidades em mim e nos outros, menos me vejo procurando, a todo o custo, remediar as coisas. (p.33)
7. Posso ter confiança na minha experiência. … quando sinto que uma atividade é boa e que vale a pena prossegui-la, devo prossegui-la. (p.34)
8. A apreciação dos outros não me serve de guia. Apenas uma pessoa pode saber que eu procedo com honestidade, com aplicação, com franqueza e com rigor, ou se o que faço é falso, defensivo e fútil. E essa pessoa sou eu mesmo. (p.34)
9. A experiência é para mim a autoridade suprema. (p.35)
10. Sinto-me satisfeito pela descoberta da ordem pela experiência. … A investigação é um esforço persistente e disciplinado para conferir um sentido e um ordenação aos fenômenos da experiência subjetiva. (p.36)
11. Os fatos são sempre amigos. O mínimo esclarecimento que consigamos obter, seja em que domínio for, aproxima-nos muita mais do que é a verdade. (p.37)
12. Aquilo que é mais pessoal é o que há de mais geral. (p.37)
13. A experiência mostrou-me que as pessoas têm, fundamentalmente, uma orientação positiva. … Acabei por me convencer de que quanto mais um indivíduo é compreendido e aceito, maior tendência tem para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, e para progredir num caminho construtivo. (p.38)
14. A vida, no que tem de melhor, é um processo que flui, que se altera e onde nada está fixado. (p.38)
Penso que é possível agora ver claramente por que razão não existe filosofia, crença ou princípios que eu possa encorajar ou persuadir os outros a terem ou a alcançarem. Não posso fazer mais do que tentar viver segundo a minha própria
interpretação da presente significação da minha experiência, e tentar dar aos outros a permissão e a liberdade de desenvolverem a sua própria liberdade interior para que possam atingir uma interpretação significativa da sua própria
experiência. (p.39)

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