Identidade pessoal ou carteira profissional

Seja para o recrutador de mão-de-obra, seja para o candidato ao emprego, antes de enfocar a prestação de serviço (ou a “mão-de-obra”) como um simples artigo de venda, é necessário abordar um pouco de psicologia do “ser e/ou estar”, diferenciando convenientemente o que é ser uma pessoa e estar numa função profissional. Diferenciar entre a “carteira de identidade” e a “carteira profissional”.

Na década de 70, uma grande empresa paulista foi “incorporada” a um sistema nacional. Na transformação, houve um grande remanejamento de pessoas em funções de chefia. No departamento comercial, com cerca de 40 chefes, promovidos por tempo de serviço, todos com idade de aposentadoria, foi feita a aposentadoria compulsória de todos e as devidas substituições por pessoal técnico mais novo.  Em um mês, morreram 15 pessoas que não aguentaram viver sem suas “funções vitais”.  Pessoas com mais de trinta anos de serviços na companhia, não sabiam mais viver sem respirar aquele ar do escritório.

Na década de 80, uma multinacional instalada no ABC paulista, foi incorporada a outra multinacional, mas teve a preocupação de contratar psicólogos que fizessem um trabalho de conscientização situacional e preparação daqueles executivos para o desligamento da atividade. Os resultados foram melhores, mas muitos nunca mais foram os mesmos. Para pessoas que sempre utilizaram como identificação pessoal, o cartão com a função na empresa, não conseguiam mais se identificar como pessoa, por falta do logotipo.

Quando toda uma formação da personalidade foi calcada nas realizações profissionais, tendo os interesses da empresa acima dos interesses pessoais, dos interesses familiares e até dos interesses da pátria, fica difícil para a pessoa se sentir um indivíduo, sem as ligações com a empresa, ou a função. Não é difícil encontrar essas situações degradantes em pessoas que perderam suas funções em empresas para as quais dedicou toda ou uma grande parte de sua vida produtiva. Quando a pessoa “perde o emprego”, perde a parte mais importante de sua identidade.

Isto é o resultado de uma educação “para o trabalho”, ao invés de uma educação “para a vida”. Disto provem a maior clientela dos psicólogos e psicanalistas. Essa clientela só não é maior, função dos preços da terapia.

Urge um trabalho psicológico e didático, já a partir da escola fundamental e estendendo por toda formação profissional, da separação existencial entre o indivíduo “pessoa” e o elemento fornecedor de mão-de-obra, o profissional.

Nas empresas há uma relação de “empregado/empregador” que beira s raias da “patriotada”, senão do escravagismo. A ideia de “vestir a camisa da empresa”, algo parecido com “a farda da pátria”, acaba por diminuir o valor individual  e provocar uma despersonalização. Enquanto trabalhando, deixa de ser cidadão, pai, filho, ou qualquer outra qualificação; isto porque não se contratam pessoas, mas “mão-de-obra”.

Não se trata aqui de desmerecer qualquer valor da atividade produtiva, mas destacar a impropriedade de ser “mão-de-obra” em tempo integral.

Vender um serviço, é trabalho para profissional, e profissional bem preparado. Aquele que sabe o valor de sua produtividade, sem se anular como pessoa vivente, independente e apesar da empresa.

Não só empregados de baixo escalão e de pouca formação acabam entrando por esse caminho hostil. Empresários que “são” a própria empresa também acabam sofrendo pela confusão entre “sua vida” e “seu negócio”; alguns procuram ser donos do próprio negócio e acabam escravos dele, onde a pessoa física se sucumbe perante a pessoa jurídica. Mesmo médicos e psicólogos, acabam confundindo suas atividades profissionais com suas vidas pessoais, chegando mesmo a grandes sofrimentos, razão direta do serviço prestado a pessoas em sofrimento.

Uma pessoa centrada em si e consciente de seu papel profissional pode administrar muito melhor os seus negócios, suas atividades produtivas, suas relações de trabalho, enquanto consegue desenvolver uma melhor qualidade de vida.

 

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