Filosofia na educação

O mundo em processo de globalização vive constantes e rápidas modificações. Uma queda no valor das ações em Hong Kong afeta o valor do dólar em Nova York e o valor da prestação da geladeira de um consumidor em Piracaia.

A cultura no processo de naturalização dos procedimentos normatizados sofre o mesmo processo de globalização . Quem usava sapatão e botina passa a achar necessária a utilização do tênis . Só que ninguém sabe o quanto ganha a televiSão que mostra mais os pés dos atletas (a marca do tênis ) do que as mãos num jogo de basquete .

Darcy Ribeiro usava uma fórmula matematicamente impossível para explicar a cultura : Pegue tudo que aprendeu durante a vida e depois tire tudo que aprendeu, vai sobrar a cultura . Matematicamente sobraria zero , mas culturalmente sobra o que processou internamente , seja individual ou coletivamente , numa sociedade , numa comunidade .

A cultura parece ser a coisa natural , não porque o seja, mas porque foi naturalizada. Aprendem-se coisas , muitas das quais de claros interesses de quem inventa a moda ou estabelece regras , internalizam-se esses procedimentos como se fossem verdades naturais , como se sempre fora assim . Houve tempo , e não faz tanto tempo assim , o tênis era proibido na escola , o uniforme exigia sapato preto ; hoje ninguém lembra mais disso.

Mudança de hábito , mudança de valores , mudança de procedimentos, acontecem a todo momento em todos os lugares sem que poucos percebam, inclusive na escola .

 

As razões da escolarização

Houve tempo que as famílias ricas contratavam preceptores , mestres particulares para o desenvolvimento intelectual dos fidalgos . não existia escola para pobres . Até o seminário , formação de padres , era exclusivo de famílias ricas, cada família reservava uma mulher para o convento e um homem para o seminário , era participar do poder eclesiástico . Educação era a transmissão cultural da nobreza, ou da classe política dominante , o que era praticamente a mesma coisa .

As corporações de ofício foram as primeiras escolas para pobres , mas nem tanto , o aprendizado de marcenaria , forjaria, selaria , construção em geral , era quase exclusivamente reservado aos filhos dos profissionais da área . Repetia um pouco o costume da transmissão familiar dos conhecimentos dos mais velhos .

Com a industrialização se percebeu a necessidade de preparar mão-de-obra para o trabalho especializado, não por benesse do poder da classe dominante , mas por questão de custos , de economia de matéria prima e melhoria da produtividade.

Coexistiram a escola para os ricos , formação cultural e a escola para pobres , formação profissional .

Com o desenvolvimento da comunicação , com a crescente globalização do conhecimento , o discurso educacional passa a tratar da ; formação do cidadão . Faz-se necessário perguntar qual o tipo de cidadão que se quer formar .

O cidadão integrado no mundo do consumo , da moda , da economia , da política do Estado ? O cidadão crítico , entendedor das regras do jogo , livre para dirigir a própria vida ? Independentemente de um ou de outro , há um problema epistemológico a ser considerado ; a natureza da cidadania .

Confundem-se individualidade , a pessoa em si , com a cidadania , a pessoa em sociedade .

 

A felicidade no trabalho

A escola voltada para a formação do cidadão trabalhador determina como valor máximo , valor natural , o trabalho . A escola do cidadão trabalhador esquece de formar o indivíduo para a vida , pois só considera a pessoa produtora e consumidora. Os consultórios psicológicos e as clínicas médicas estão cheios de pessoas infelizes e doentes porque perderam o emprego ou fracassaram na empresa . As pessoas foram educadas para trabalhar, não para viver; quando o trabalho fracassa, a pessoa se destroça.

Meu trabalho é minha vida , é a declaração de quem não tem outra razão para viver . não aprendeu que a profissão é uma atividade de subsistência , não de vida . Desenvolveu somente o lado cidadão , não desenvolveu a instância da individualidade.

 

O indivíduo e o cidadão

O filósofo Epicuro, por volta dos anos 200, já apontava a necessidade de entender o caráter da política no indivíduo . Dizia que a pessoa tem três situações de vida que precisam ser entendidas para conseguir a felicidade : a política , a amizade e a individualidade .

Na política , a vida na Polis ( cidade ), a pessoa desempenha um papel determinado pelas regras do Estado . O cidadão é um ser integrado nas normas da sociedade . Nessa instância não há lugar para a felicidade , apenas para ações de cidadania , de política , de atitudes pessoais , onde a educação é polimento e respeito s regras de relacionamento.

Nos jardins da casa , o âmbito das amizades , onde se recebem os amigos mais próximos , há um misto de cidadania e individualidade . As regras sociais São afrouxadas, a pessoa pode se expressar com um pouco de sinceridade ( sem cera ), mas não muito , mesmo com os amigos .

No interior da casa , na individualidade , no mundo próprio , com valores e desejos individuais , é que se pode encontra a felicidade de ser o que se quer ser , sentir a si próprio .

 

Conforme Epicuro, não é possível encontra felicidade na cidadania , na política , na vida em sociedade . A felicidade é um predicado exclusivo da individualidade .

Na relação com os outros , mesmo que seja só mais um , se pode encontrar a satisfação em atingir determinados objetivos , sejam sociais ou até mesmo intimistas, mas é apenas satisfação dos objetivos propostos, não é felicidade , vez que o mundo do outro , os valores do outro, os interesses do outro, São sempre diferentes para cada indivíduo.


ROSSI, P.S. Filosofia na educação. Folha da Mantiqueira. Piracaia-SP, 08 nov 1997, p.4

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