Excepcionalidade

É difícil tratar de um assunto de excepcionalidade sem cair nos lugares comuns do que seja “normal ou anormal” dentro dos conceitos e preconceitos da sociedade, sem levar em consideração, ainda, aquilo que ignorância mesmo.

Caetano Veloso em sua ode Paulicéia, diz ” o narciso acha feio o que não é espelho” ao ver diferente as meninas de São Paulo para quem estava acostumado ao bronzeado das bahianas. As pessoas costumam rotular de anormal tudo o que não lhes parece igual, função de uma mentalidade muito estreita.

Ligia Assumpção Amaral, mestre e doutora em psicologia social, especialista em deficiência, professora de pós-graduação em psicologia da Universidade de São Paulo, desenvolve um belo trabalho sob o título ” Conhecendo a deficiência – em companhia de Hércules ” da Editora Robe, onde ressalta logo no início do livro:

“E aqui um parêntese para esclarecimento que julgo de extrema importância: eu mesma sou uma pessoa com deficiência, uma vez que tenho sequela da pólio contraída com quinze meses de idade. Assim o meu envolvimento com a deficiência já ultrapassa meio século em termos de experiências pessoais”.

A dissertação de mestrado da professora Lígia Assumpção Amaral: ” Resgatando o passado: deficiência como figura e vida como fundo”, é uma das primeiras obras de enfrentamento de uma situação de realidade pessoal diante a uma sociedade idiota que procura colocar de lado todos que não estão acondicionados no “padrão de normalidade”.

Aos que estão na labuta junto aos excepcionais e “anormais”, tanto no trabalho voluntário quanto na profissão por opção, atrevemos declarar que a ausência de maiores apoios e envolvimento se deve fraqueza da maioria que não tem coragem de entrar em contato com as suas próprias limitações. É normal, é comum, é corriqueiro, a alienação social dos “normais”, pois suas deficiências, sejam intelectuais ou emotivas, são mais fáceis de esconder quando não se atreve a participar de um trabalho mais exigente.

Normal é cuidar cada um de sua vida, sem ter que se preocupar com os outros, vez que é difícil oferecer o que não se tem para dar, principalmente quando a falta é a capacidade de amar.

Em termos estatísticos, normal é o que há de mais comum, mais próximo da média, enquanto o excepcional se encontra nos polos de exceção regra. Não importa se o normal seja medíocre, nem se a exceção seja excelente.

Queremos declarar nossas dúvidas quanto ao que deve e pode ser feito para melhorar a situação dos excepcionais, dos “anormais”, cumpre-nos apresentar nosso incômodo com a situação que, por vezes, são submetidos os excepcionais e seus familiares, tanto pela sociedade despreparada para esta convivência quanto junto ao poder público, que por lei é obrigado a oferecer ‘educação e saúde’ para todos.

Não temos receitas, nem conselhos, nem projetos, apenas apelamos para maior harmonia e boa vontade entre os que podem ajudar. Tendo s mãos este jornal, entendemos que combater o preconceito já é um trabalho significativo. Se, a partir deste artigo, algumas pessoas passarem a olhar melhor para os deficientes, mostrarem mais respeito pela condição de um pouco diferente, respeitar a individualidade e as condições de cada um, acreditamos já ter feito algo de bom dentro de nossas limitações.

Rossi, P.S. Os excepcionais e a normalidade medíocre. Folha da Mantiqueira , Piracaia-SP, 03 out 1997, p.3

 

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