Divagando sobre uma utopia

a alegria na escola

Eu não gostava da palavra “utopia” quando pensava ser uma coisa impossível de se alcançar; por que querer o que não se pode ter? Mas minha visão sobre o termo mudou quando vi alguém utilizando como expressão de um ponto de referência no infinito, tal como o “ponto de fuga”, um ponto no infinito (próximo ou distante), utilizado para estabelecer a profundidade e a perspectiva num desenho. A partir dali  passei a gostar da utopia e desenvolvi a minha utopia na escola.

Acho inconcebível  a ausência de alegria quando se obtém um ganho, e para mim toda aquisição de conhecimento é um ganho. Com isso toda atividade de instrução deveria ser uma alegria total.

Mas os professores estragam tudo. Digo professores porque são esses quem estão dando a instrução na escola; pode não ser culpa desses, pode ser culpa da estrutura em que estão lotados, mas são os professores que aparecem.

Lembra-me a ocasião que uma criança ganha uma bicicleta, algo tão desejado, esperado como se fosse  o momento mais importante da vida, mas os pais estragam tudo com uma série de recomendações:

não pode correr;

não pode andar na rua;

não pode sujar; não pode cair;

não pode deixar ninguém pegar;

não, isso e não aquilo;

e tem mais se fizer isso, vai ver aquilo… e tudo mais.

Faz a criança preferir ter continuado sonhando com o presente, pois nos seus sonhos seria um ganho, não um castigo.

Há professores que ao entregar para o aluno um novo conhecimento, e por vezes até antes, ameaçam com o castigo da prova, do trabalho, da nota, da reprovação.

– Agora vamos iniciar uma nova matéria, prestem bem atenção porque serão obrigados a apresentar um trabalho valendo cinco pontos e fazer uma prova valendo três pontos e, ainda, os dois pontos restantes serão atribuídos em funão da participação. (isso num curso de Didática do Ensino Superior !!!)

Antes de mostrar o universo, ou a particularidade, de tal assunto, São apresentados os fatores de medida que mostrarão o quanto cada um pode ser inapto.

É assim que se ensina sexo nas escolas. Antes de mostrar o que é, como é, os prazeres que poderiam proporcionar, mostra-se o pecado, a proibição, o castigo. O educador ao elaborar um programa de educação sexual, desenvolve o programa de prevenção epidemiológica.

Ao invés de facilitar o entendimento da psicologia, do eu e do outro, desenvolve um bestiário de neuroses e psicoses, enunciando a possível debilidade de cada um e suas depravações enrustidas.

Ao invés de viajar pela história, vivenciando outras culturas, massacra citações de nomes e datas, sem procurar entender a aventura do espírito humano.Ao invés de fazer turismo pela geografia, exige que se gravem nomes e dados, sem falar do rio que passa pela cidade em que vive, sem entender o solo em que pisa.

Ao invés de desenvolver facilidades para comunicação interpessoal,  provoca pânico com os rigores da gramática, provocando horror leitura e inibindo a aventura de escrever uma prosa ou criar uma poesia.

Educar seria promover os sofrimentos de um ritual de passagem, tal como nas mais bárbaras das civilizações antigas? Será que não há outro meio de aprender sem sofrer, porque viver é realmente muito ruim? Talvez seja esse mundo inóspito para o qual São preparados os jovens, que exige tal realismo escolar. Aprende-se a sofrer para melhor adequação ao mundo real.

Lembra-me um chiste de mal gosto: Um pai coloca seu filho de um ano, ou pouco mais, sobre a mesa:

– Pula filhinho, que o papai  segura!

O menino pula e o pai não faz nada para evitar que o filho se machuque na queda.

– Isso meu filho, é para você aprender a não confiar em ninguém, nem em seu próprio pai.

Minha utopia não é por ai, tem um ponto de fuga num lugar do infinito que pode ser no paraíso. Saber e conhecer (conforme tradição judaica) é uma árvore central do paraíso terrestre, só que, para mim, não é proibida.

Subir morros e atravessar pântanos para chegar quela árvore, não representa um castigo, mas o “maior barato”,  “uma curtição”. Se não chegar até lá, valeu a viagem, valeu a tentativa.

Minha utopia é a classe lotada antes da hora, onde todos aguardam o início do espetáculo tal qual um jogo de final de campeonato, ou um show de rock.

Minha utopia é a classe lotada depois da aula, todos cheios de assuntos para continuar a conversa, tal qual a festa que continua depois do bolo dividido.

Minha utopia é o aluno embevecido com o manah vertido da boca, do cérebro e do coração do professor.

Minha utopia e encontrar mais professores tais como Myra y Lopes, que dizia:

-Quer saber quanto valem cinco segundos dos seus pensamentos?

Ao entrar numa classe, pense consigo mesmo: Eu gosto de estar aqui, eu amo vocês. Estou trazendo algumas novidades, algumas instruções que vão ser muito úteis a todos. É uma satisfação estar aqui com vocês. Ao entrar em outra classe do mesmo nível, pense consigo mesmo: É um castigo, para mim,  estar aqui; vocês São todos ignorantes, tapados, não aprendem nada. Vou dar a aula por que sou pago para isso, mas nada vai adiantar. Depois aplique a mesma prova para as duas classes; e você vai perceber matematicamente a diferença que faz cinco segundos dos seus pensamentos.

(Desenvolvido para a matéria Filosofia da Educação, Especialização em Didática do Ensino Superior, USF, 1997)

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