A esta altura da vida, seja lá qual for a sua idade, não dá para fazer um projeto independente do que já é. Qualquer que tenha sido a sua vida até aqui, tudo que pretenda erguer a partir de agora será sobre um alicerce já pronto. É até possível construir um novo alicerce, começar um projeto totalmente diferente das bases que já existentes, mas também para isso será necessário utilizar a construção atual, pelo menos até que se possa utilizar a nova construção, mesmo que inacabada.
Ser ou não ser, eis a questão!
Admitindo que você possa ser o que quiser, que você possa ser senhor do seu destino, que você possa determinar seu futuro e conduzir sua vida independente de tudo que já foi, ainda assim estará utilizando do que é, do que foi levado a ser, pelo menos até agora. Goste ou não goste disso, tem que admitir que já é alguma coisa com presente e passado herdados da sociedade onde vive. A sua personalidade, esta construção que é hoje, tem muito dos outros com os quais conviveu até agora, tem todos os valores que aceitou, as crenças que admitiu como próprias.
Afinal, quem é você? O que você é, realmente?
Você é, para você, o que você pensa de si, auto-conceito; para os outros, é o que eles pensam de você.
Como pensamos, como nos entendemos…
Se pensamos por imagens… você tem uma imagem que vê no espelho, vista pelos seus olhos; uma imagem construída por dentro, ninguém lhe vê exatamente do seu ângulo de vista. Se pensamos por conceitos… você tem um autoconceito baseado nas suas crenças, nos seus valores, e ninguém, além de você, pode ter a mesma construção mental que permita lhe avaliar da mesma forma que você.
Teorias ontológicas…
Enquanto positivistas (como Comte), diante a um fenômeno, dizem que só existem fatos, há filósofos (como Nietzsche), que afirmam haver somente interpretações. Enquanto para uns você é um fenômeno construído, e constituído pelos fatos que viveu, para outros é o que for entendido por você ou pelos outros que lhe interpretam.
O homem vive num mundo de sonhos antes que de fatos, e um mundo de sonhos que é organizado em torno de desejos cujo sucesso ou frustração constitui a sua própria essência.” John Dewey. Reconstrução da Filosofia.
Afinal o que é ser você?
Apêndice filosófico
Martin Heidegger, filósofo alemão (1889-1976), da escola existencialista, embora tenha repudiado esta classificação, dedicou muito de seus estudos para o entendimento do “ser”.
Num resumo, rápido e talvez simplório, tentaremos sintetizar sua teoria da seguinte forma: Considerava a vida cotidiana do homem como forma de existência inautêntica. Esta seria constituída em três etapas:
- Facticidade – no fato de o homem ter sido jogado no mundo, sem que sua vontade tenha participado disso. Afirmava que o mundo não significa o universo físico dos astrônomos, mas o conjunto de condições geográficas, econômicas, históricas e sociais, em que cada pessoa está imersa.
- Existencialidade ou transcendência – constituída pelos atos de apropriação das coisas do mundo, por parte de cada indivíduo. O ser humano existiria como antecipação de suas próprias possibilidades; existiria na frente de si mesmo e agarraria sua situação como desafio ao seu próprio poder de tornar-se o que deseja. O ser humano estaria sempre procurando algo além de si mesmo, seu eu verdadeiro consiste em objetivar aquilo que ainda não é. O homem seria, assim, um ser que se projeta para fora de si mesmo, mas jamais pode sair das fronteiras do mundo em que se encontra submerso.
- Ruína – significa o desvio de cada indivíduo de seu projeto essencial, em favor das preocupações cotidianas, que o distraem e perturbam, confundindo-o com a massa coletiva. O ser humano, em sua vida cotidiana, seria promiscuamente público e reduziria sua vida com os outros e para os outros, alienando-se totalmente da principal tarefa que seria o tornar-se si mesmo.
( Stein E. Heidegger, Coleção Os Pensadores, Editora Nova Cultural, 1991)
A opinião dos outros.
Alegres e descontraídos, andavam por um caminho, um velho e um menino, conduzindo um burro por uma corda.
Passou uma pessoa que criticou o velho por fazer a frágil criança andar enquanto poderia montá-lo no burro. O velho colocou o menino no burro e continuou a viagem.
Passou outra pessoa que criticou o menino por fazer o pobre velho viajar a pé enquanto o jovem andava montado. Apeou o menino, montou o velho e seguiram a viagem.
Passou outra pessoa que criticou o velho por deixar o menino andando enquanto poderiam os dois montar no burro. O menino subiu na garupa e continuaram a viagem.
Passou outra pessoa que criticou os dois que sobrecarregavam o coitado do burro. Desceram os dois e resolveram carregar o burro.
Então? Como será que você tenha que agir para não ser criticado? Haverá alguma forma de viver sem crítica? Talvez caminhando por um lugar onde não encontre ninguém.
O indivíduo – a individualidade
Levando em conta que praticamente tudo que foi e é até agora, aprendeu com os outros, aceitou os valores, as crenças, os preconceitos, os procedimentos, é então mais os outros do que você mesmo.
Conforme Comte, homem é resultado dos fatos que viveu, enquanto Nietzsche considera resultado das interpretações que faz do que percebeu.
E como fica o indivíduo, a individualidade?
Essa construção que, por conceito, seria indivisível, seria a unidade, é na realidade um conjunto de inúmeras coisas até desconhecidas. O átomo também já foi descrito como a última coisa possível de ser dividida, a-tomo, não divisível; agora se estudam partículas subatômicas.
Então como fica, quem é, o que é?
Uma casa pode ser vista como uma construção feita com uma enormidade de elementos diferentes, e nem por isso deixa de ser uma casa. Há quem veja somente os detalhes, outros veem o todo sem perceber os detalhes. Ao olhar para uma casa, cada um observa certos detalhes:
o arquiteto – o desenho lógico e a beleza da construção; o engenheiro – a estrutura, os materiais o pedreiro – a parede e o reboco; o eletricista – a fiação e iluminação; o carpinteiro – as portas e janelas; o pintor – as tintas, a pintura;
enquanto…
o jardineiro, pensa nas flores que vai plantar em volta; o construtor, no lucro que pode ter na venda; o corretor, na comissão da transação; o vizinho, no que vai interferir na sua vida; o comerciante, no tipo de consumidor que vai morar ali; o marido, na dívida vai assumir; a mulher, no trabalho que vai ter para manter limpa; as crianças, procuram outras crianças na rua.
… alguém viu uma casa por ai?
Ninguém olha o que você é, mas vê o que interpreta de você, segundo conceitos e óticas próprios.
Você depende, em muitas situações, exclusivamente da opinião do outro, veja o exemplo do candidato a um emprego, apesar de todas as características e atributos pessoais, somente vai conseguir o emprego se o outro (o selecionador) aceitar. Outro exemplo bem representativo é o caso do político, depende totalmente de um grande número de outros.
Assim como os outros, você tem uma ótica própria, tem seus conceitos, sua crença, até seus preconceitos, e é assim que se analisa, assim que se vê. não é indivíduo, mas um mundo que gira dentro de si. não pode imaginar sua existência sem os outros, pois se tirar os outros, é o tudo, é o nada. Sem os outros você não existiria pois nem teria sido gerado. Assim como foi gerado, foi amamentado, foi criado, foi educado, foi ensinado, foi, foi, foi…
Até agora você foi… Se você quiser tomar as rédeas do destino, não pode deixar de considerar o que é, hoje, em função do como foi construído, até agora. Cabe a você decidir o quanto vai desenvolver o seu íntimo, a sua essência, a sua auto realização, tanto o quanto vai adaptar-se ao mundo externo, aos outros. Sem polarizar a questão, nem buscar maiores valores da filosofia ou da teologia, você está num ambiente de vida e de trabalho, e precisa desenvolver os dois lados da moeda.
” O conhecimento só opera em situações-problema. Quando não há problema, não pensamos, só usufruímos ” Rubem Alves. Filosofia da Ciência
Muito dos problemas, até do estresse da maioria das pessoas, estão na determinação de valores e de medidas para as atitudes a serem tomadas, função da dicotomia que existe entre os desejos e possibilidades mais intrínsecos, e os reclamos da vida social, notadamente no trabalho.
“A corda da viola quando muito frouxa, não produz som; se estiver muito apertada, pode quebrar; o certo está no equilíbrio ” Buda
Desenvolver um você, um “si mesmo” voltado para seu interior e outro você, uma adaptação operacional para vida externa, pode parecer uma boa solução – o difícil vai ser coordenar essa dupla personalidade.
Na busca de um equilíbrio necessário para convivência social, deve cuidar para reforçar não somente os anseios internos, mas também os procedimentos externos. Seus anseios internos, sua vontade para consigo mesmo, serão treinados e desenvolvidos para lhe dar uma satisfação pessoal; seus procedimentos externos serão aprimorados para proporcionar satisfação na relação com os outros. Nenhum procedimento é, por si só, certo ou errado, não é melhor nem pior do que outros, tudo depende do momento e da finalidade. Numa construção um tijolo não é melhor nem pior que um pedaço de cano.
O que você é, agora ?
Os chineses contam a estória de um sábio que adormeceu sombra de uma árvore e sonhou que era uma libélula. Mas a libélula do seu sonho estava adormecida, e sonhava que era um sábio adormecido sob uma árvore que sonhava ser uma libélula. Termina a história dizendo que ele nunca mais conseguiu saber se ele era um sábio que sonhava ser uma libélula ou uma libélula que sonhava ser um sábio.
Para projetar o você que quer ser, precisa antes saber o você que é agora. não há futuro, há o agora de depois. Qualquer planejamento para o futuro depende exclusivamente dos valores e objetivos já estabelecidos, o que já é produto do passado. Ao delinear um novo personagem que ocupará o seu espaço atual, vez que o seu propósito é mudar, deve entender exatamente o que você quer hoje para o seu amanhã.
Na verdade, em essência, você continuará sempre a ser o mesmo, o que podem mudar são os seus atributos, aquilo que você e os outros atribuírem a você como qualidades ou defeitos. Mas o que são qualidades e defeitos, senão conceitos estabelecidos no julgamento de procedimentos?
O que é certo ou errado? Sem polarizar qualquer discussão, considerando que vivemos em sociedade com uma cultura estabelecida, será certo o aceito e errado o rejeitado pela sociedade.
Inventário
Empresas fazem inventário de estoques com maior ou menor frequência em função do rigor administrativo que orienta a administração de cada uma. Algumas fazem inventário anual, simplesmente para atender os preceitos da lei fiscal, outras fazem inventário diário, na busca de maior eficiência própria.
Você que nunca fez um inventário geral, nunca contabilizou os erros e defeitos, as virtudes e qualidades, talvez possa aprender alguma coisa consigo mesmo, desde que olhe para dentro. O inventário é qualitativo, noções de bom e mau, bem e mal, certo e errado, além de quantitativo, noções de medidas.
Pode chamar de autoanálise, exame de consciência, reflexão, ou seja lá o que for, o importante é que mergulhe no seu interior para vasculhar algumas coisas e reviste todo seus arredores para achar outras coisas que lhe dizem respeito.
Como nosso pensamento é feito de símbolos e sensações, traduzido por linguagem, temos que recorrer a alguns termos, algumas palavras significativas conforme nossa cultura. Dentro do mesmo país, é até da mesma cidade existem entendimentos diferentes quando a determinados conceitos ou termos, há conotações diferentes para uma mesma palavra.
“O mundo para o indivíduo não é o espaço sideral descrito pelos astrônomos, mas o espaço geográfico e as circunstâncias histórias, sociais e econômicas que a pessoa percebe” Heidegger
Esse exercício, por si só, já vai provocar uma grande angústia interior, vai tocar cantos nunca dantes penetrados, ativar assuntos nunca antes discutidos. Para quem nunca teve o costume de refletir sobre si, estudar-se, pode representar um trabalho muito pesado.