Cavalgada no mato

Eu tinha então nove anos. Era costume a molecada mais velha sair pelos pastos da região para montar em pelo. Resolvi acompanhar a turma, cerca de dez moleques.

No caminho para Jarinu, num lugar chamado “Sete curvas”, encontramos uma tropa e fomos chegando de mansinho para não causar susto e debandada.

Alguns um de nós, armados unicamente de um cipó para fazer de cabresto.

Eu me lembro bem, estava com um sapiquá onde carregava o estilingue e algumas pedras prontas para uso. Tive a ideia de mostra o saco que poderia ser entendido pelo cavalo como se estivesse oferecendo comida.  Chacoalhei o saco com as pedras e deu certo, um cavalo se aproximou. Montei só segurando na crina, sem fazer qualquer cabresto. Tive sorte de pegar uma égua bem mansa.

Começamos a correr no campo aberto.

Zelão, o coisa ruim da turma, estava atrás de mim, resolveu atirar com o estilingue e acertou uma égua que estava ao lado de mim. Acertou bem naquele lugar sensível no meio das ancas.

A égua deu um coice no ar e achou meu joelho direito. Como não havia resistência, o joelho foi junto com o casco sem maiores traumas. Continuei correndo, segurando nas crinas da égua, sem coragem para revidar a estilingada.

Sobe morro, desce morro, pois é só morros que havia por ali, até que chegamos na estrada, no lugar chamado “Água espalhada”. Era um córrego que atravessava a estrada, sem ponte. Também era o lugar de deixar os cavalos, pois já estávamos a um quilometro de casa.

Desci da égua, do lado esquerdo, mas quando firmei o pé direito, cai de dor. Lembrei do coice da égua. Não havia ferido mais porque a perna estava solta sem estribo, não oferecera resistência, mas a pancada ficou ali. Enquanto corria, corria o sangue quente; agora que havia parado, pisado na água fria, a dor se manifestou.

Cai sentado na água, molhei o calção. Todos riram e ninguém lembrou de ajudar para eu me levantar. Tive que pedir ajuda e me levaram até o primeiro barranco.

Todos achavam que logo iria passar e foram se dispersando, cada um para o seu lado, até que fiquei só. Não havia mais a quem recorrer. Só me restou me arrastar até minha casa, enquanto inventava uma história para contar.

Quando cheguei em casa o joelho já estava inchando.

Depois do banho, com o corpo esfriado, a dor foi aumentando. Eu disse para minha mãe que estava jogando bola e cai com o joelho no chão duro.

– Eu já disse para você não jogar bola, você não enxerga direito e vive chutando o chão. Vive com o dedão arregaçado.

Se ela soubesse da história dos cavalos, a coisa iria ficar pior.

Quando o Butuca passou em frente de casa, como fazia todos os dias no fim da tarde, quando voltava do serviço na estação de trem, a minha mãe pediu para ele olhar meu joelho. O Butuca era um negrão muito forte, hoje diria que era parecido com o Péricles. Ele era o massagista do time de futebol da cidade o “Nacional”.

Eu senti aquelas mãos fortes esfregando sebo aquecido. Não sei o que era pior, a dor ou o cheiro do sebo.

Fiquei uma semana sem andar e todos os dias o Butuca passava lá na mesma hora, só que trouxe cânfora, pelo menos o cheiro era melhor.

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