Meu tipo favorito: D. Maria do padeiro

Todo ano, todo começo de ano, todo dia primeiro de cada ano, sempre me bateu uma vontade danada de agradecer a Dona Maria do Padeiro. Uma vontade de dizer que nuca me esqueci dela, nunca me esqueci daquele gesto. E olha que já lá se vão quase cinquenta anos.

Não sei o que é mais representativo, o fato de não ter agradecido aquele gesto ou de nunca ter esquecido.

Foi no primeiro de janeiro de 1956, eu tinha quase sete anos. Deveria ser por volta das nove horas da manhã. Estava olhando o movimento que se aquietara na estação. O trem para Jundiaí, já fora; o trem para São Paulo, já fora; a Maria Fumaça da Bragantina já apitava na curva do km2. Acabara o movimento da manhã.

Eu estava sentado no degrau da porta, olhando mais não sei o quê, naquela vastidão de quase nada. Olhava o vale que se dirigia para Jundiaí no caminho que o sol ia à tarde.  O caminho do trem branco de Araraquara que passava sem parar na estação.

Um pouco mais para esquerda, depois do Moinho, ficava a Serra dos Cristais. Para mim, naquele tempo, o mundo estava atrás daqueles morros. Um dia seria ajudante de motorista de caminhão para poder viajar.

Trazendo o olhar mais para perto vi que se aproximava a Dona Maria do Padeiro. Andar manso, olhar tranquilo como tranquila era sua voz. Eu gostava da Dona Maria do Pedeiro, ela falava baixinho e suave. Ela nunca gritou comigo, não ralhava, sorria suave.

Caminhava de um jeito leve e solto, como hoje aparece em filme de propaganda, assim “slow motions”.

Demorou um tanto para atravessar a rua que nem era tão grande. Deu tempo para eu pensar um monte de coisas que poderiam ser. Ela trazia uma nota de dinheiro na mão, talvez para que eu fosse ao bar buscar alguma coisa; ou seria para ir até a horta do japonês.

A horta do japonês estava inundada, havia chovido muito como era costume no fim do ano. Tudo virara um brejo só.

Ela parou na minha frente e sorriu. Esperei que ela pedisse ou mandasse alguma coisa, talvez que chamasse a minha mãe.

Não. Era comigo mesmo. Ela só disse:

– Bom princípio.

Disse estendendo a mão, me cumprimentando como se eu fosse gente grande.

Eu não sabia o que era aquilo. E ainda mais, ela me estendeu a mão me entregando uma nota de um cruzeiro.

um cruzeiro

 

Repetiu:

– Bom princípio de ano.

Eu não sabia o que fazer naquela situação, era para agradecer o para fazer outra coisa qualquer, tipo “Feliz ano novo”.

Eu continuava ainda sem saber o que fazer e ela me disse:

Vai falar “bom princípio” para o Jacinto, para Dona Nina, para Dona Ervira (todos parentes dela, nossos vizinhos).

Eu não entendia por que nunca tinha visto tal coisa. Era cumprimentar e ganhar dinheiro!

Para encurtar a história, no meio do dia, já tinha sete cruzeiro. Um dinheirão para quem nunca teve tamanha fortuna.

Nunca agradeci o ensinamento da Dona Maria, mas todo ano lembro dela no dia primeiro do ano.

Hoje acordei pensando em pagar uma dívida.

Resolvi escrever isto assim como uma forma de retribuir aquele “Bom princípio”.

Hoje, primeiro de janeiro de 2005.

Esta entrada foi publicada em Casos e contos e marcada com a tag . Adicione o link permanente aos seus favoritos.