Aeroporto lotado

Começar um texto com a chamada “aeroporto lotado” não ajuda em nada, pois essa imagem está fixada na memória de qualquer um que já tenha voado por aí. Trabalhando no Nordeste, era uma viagem por dia, de capital para capital, e uma vez por mês vinha a São Paulo, na verdade, São Bernardo do Campo, onde era a fábrica.

Numa dessas vezes de retorno a Recife, o aeroporto de Congonhas, com diversos voos atrasados, não comportava mais ninguém, nem de pé.

Depois de muita demora, Ivan e eu conseguimos um lugar apertado para nos sentarmos um pouco, ainda sem previsão de embarque. Logo surgiram, atras de nós, três vozes dissonantes, irritantes, fazendo apologia ao cavalheirismo não mais existente.

Fizemos de conta que não era conosco e cada um de nós pegou uma parte do jornal, que nem dava para ser bem aberto ali, por simples falta de espaço.

O terrorismo aumentava a cada momento com referências às manchetes do jornal e a lembrança do cavalheirismo que havia antigamente.

Na verdade, não estávamos dando a mínima para as insinuações, mas o tom daquelas vozes era no mínimo irritante. Parecia aquela coisa idiota, tipo dublagem de desenho infantil.

Chegou no limite do Ivan que se achegou a mim, e disse baixinho, está na hora de aprontar com essas madames.

Falou então bem alto, aproveitando um momento de silêncio das sirigaitas:

– Vamos tomar um café?

Eu me levantei, ele se agarrou no meu braço e se pôs de pé; inclinou todo seu peso no meu ombro e foi arrastado uma perna enquanto eu pedia passagem para sairmos dali. Não foi fácil aguentar aquele peso até chegar no balcão do bar, mas imaginar a cara das dondocas valeu a troça.

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