Passando pelos corredores do hospital, atravessando uma aglomeração barulhenta de pacientes que esperavam o atendimento, ouvi uma explicação espetacular de alguém que usava toda sua autoridade de “baixinho” para falar bem alto:
– “Secundário é quem não terminou o primário, só estudou até a oitava série.”
Continuei repetindo aquela frase, uma pérola digna de comentários, seria uma nova piada a ser contada no nosso meio profissional. Na minha sala, anotei a frase como que querendo analisar toda estrutura conceitual que apresentava. Deixei a anotação dentro do bolso, mas a frase não me saia da cabeça enquanto atendia meus clientes.
No dia seguinte, numa aula de psicologia para estudantes do terceiro ano de medicina, discutíamos a necessidade de ouvir e entender a linguagem do paciente quando a frase do dia anterior voltou baila. Os estudantes de medicina em escola particular, regra geral, são oriundos da burguesia, da classe média alta. A linguagem coloquial típica, daquele grupo adolescente, se vê pressionada a uma mudança no sentido da utilização de termos específicos cientificamente corretos, tanto na produção de textos para avaliação do aprendizado (provas e seminários) quanto no afã da produção futura para publicações. No entanto, tanto a linguagem coloquial do grupo quanto a linguagem científica profissional, se veem impróprias quando do necessário diálogo com seus pacientes. Deixei o assunto a ser pensado por cada estudante formulando a pergunta:
– Você pode confiar nos relatos daquele paciente (o baixinho da sala de espera), ou ainda mais, você acha que ele vai entender as suas orientações quanto a procedimentos e medicação?
Fatos como esse é que me levaram a pesquisar processos de comunicação, estudar a linguagem capaz de permitir o entendimento necessário para melhores resultados tanto na educação quanto na saúde.
Na minha prática como psicólogo na Clínica Cirúrgica, tive a oportunidade de exercitar alguns diálogos diferentes, mas necessários:
Um paciente da Clínica Cirúrgica estava com toda barriga costurada (costurada porque a barriga era a dele, seria um abdome suturado se fosse no médico), e não aceitava ficar internado, sem fazer nada, visto que a cirurgia já fora feita, queria porque queria ir embora. Ao ouvir a fala do cliente, saber que todo estrago fora feito ao cair da laje sobre uma lata que lhe cortou toda barriga, conversamos sobre o trabalho e os cuidados na construção de uma laje. Falamos sobre o tempo necessário para que uma laje fique boa (28 dias escorada, mesmo que pareça seca e pronta) e não demorou muito para que o pedreiro entendesse a necessidade de manter as suas escoras (a sutura), sem abusar de maiores esforços.
Outro paciente, em preparação para uma cirurgia no intestino estava rebelde, não aceitava ficar tanto “em jejum”, com aquela “comidinha de hospital”. Ouvindo a fala do cliente, ouvindo a sua história, ele dizia de seu costume de comer bem, do seu trabalho pesado – trabalhava com construção. Começamos a falar dos problemas das reformas em casas velhas e chegamos ao item de reformas de encanamentos e de esgotos. Logo o cliente entendeu e passou a aceitar a dieta.
Depois, como psicólogo do Centro de Orientação e Aconselhamento Sorológico, envolvido com DST/Aids, o maior desafio foi encontrar a linguagem suficiente e necessária para melhorar a prevenção de um lado e a aderência ao tratamento do outro.
Um fato quase despercebido quando se discutem as estatísticas de aderência ao tratamento (por volta de 50%), é quanto linguagem do profissional que não está conseguindo bons resultados. Enquanto muitos entendem que a obrigação do médico é diagnosticar e prescrever, não estão vendo que metade do serviço está perdida por falta de uma comunicação eficiente, pois se o paciente não aceitou as orientações do médico, não aderiu ao tratamento de forma eficiente, o serviço não foi bem-feito.