A ilusão da imortalidade

Em meados de 1997, na estrada de Piracaia a Bragança, dei carona para um senhor desconhecido, simpático e simplório. Conversa vai, conversa vem, descobrimos que ele conhecia os parentes dos meus avós e a conversa virou para os velhos que morreram. Ele mesmo estava indo para o velório de um amigo e declarou seu desconforto em ver seus amigos morrerem. Lembrei-lhe uma história antiga:

Um rei começou a ter um sonho constante que lhe tirava o sono. Sonhava que estava no salão do trono e, aos poucos, o salão ia se esvaziando até ficar somente o rei. Chamou um sábio para interpretar seu sonho.

O sábio vaticinou que o rei ficaria sem todos os seus amigos. Irritado, o rei mandou matar aquele sábio.

Veio o segundo sábio e disse que todos os amigos do rei iriam morrer. Irritado o rei mandou matar o segundo sábio.

O terceiro sábio encarou o rei e sorriu: – Sua majestade vai viver tanto e reinar tanto deste trono, ter tão longa vida, enquanto todos os que o rei conhece, não terão tanta sorte. O rei ficou satisfeito e mandou premiar o terceiro sábio.

A ideia da morte, mesmo que seja a única certeza de todo mortal, é evitada pela maioria das pessoas. Busca-se a ilusão da imortalidade ao negar a existência da morte, pelo menos para o próprio pensamento.

Quando se pergunta o que a pessoa faria se soubesse ter somente mais seis meses de vida, normalmente se ouve uma série de sonhos a serem realizados, uma aventura a se concretizar. No entanto, ninguém sabe se vai viver mais um dia, mas procura não pensar nisso. A protelação, o deixar para depois uma série de coisas, é reforçar a ideia que vai ter ainda muito tempo para realizar tudo. E acaba não realizando nada, pois vai deixando tudo para depois.

No filme “O caçador de androides”, há uma discussão sobre a sensação de estar vivo e o saber do limite da vida. O androide, ao segurar o caçador dependurado sobre o edifício, lembra ao humano a felicidade que é não saber se vai morrer ou não naquele momento, ter a ilusão da imortalidade, enquanto ele, o androide, fora programado para durar um tempo determinado, e cada momento é uma contagem regressiva.

Não saber qual a data do fim da vida, é uma ilusão de imortalidade, vez que a morte não está presente nos planos de vida.

(publicado na Folha da Mantiqueira, Piracaia-SP, 1997)

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